JOSÉ NORBERTO CALIXTO - Professor
A formação do Estado brasileiro foi baseada no sistema escravocrata e, mesmo na República, a estrutura discriminatória só se intensificou, sendo a cidadania plena negada a negros e indígenas. A necessidade urgente de criar leis voltadas para a inclusão social evidencia o DNA escravocrata do país. A falta de oportunidade formal para o desenvolvimento social e material é ignorada pelo Estado brasileiro.
Políticas de promoção da igualdade racial que constam do debate público e das legislações de vários países, no Brasil são negligenciadas e mesmo combatidas. A ascensão social de negros e indígenas resultaria em desenvolvimento nacional. A necessidade de tratar positivamente os desiguais, anulando os efeitos do racismo que é a desigualdade de oportunidades deve ser ponto de partida para uma sociedade mais harmônica.
A hierarquização na sociedade brasileira promove o racismo, colocando cidadão contra cidadão, vendendo uma ideia de pertencimento deslocada do coletivismo. O inconsciente segregacionista coloca todo um coletivo social em xeque. O racismo se manifesta no discurso político de meritocracia sem considerar a falta de oportunidades que possibilite o desenvolvimento social, político e econômico dos excluídos. A dificuldade de ascensão econômica promovida pelo Estado só agrava a degradação social da base da pirâmide, solidificando o antagonismo étnico.
Saiba Mais
O surgimento de grupos extremistas, nazifascistas, questiona a tal "democracia racial" brasileira que nunca existiu. A estrutura educacional brasileira formatada em molde hierarquizado discriminatório sempre prejudicou as minorias raciais e sociais e por consequência a sociedade como um todo. No acesso ao mercado de trabalho, na formação de quadros e capacitação de pessoal, a juventude negra sempre foi negligenciada, alimentando o distanciamento social e perpetuando o racismo estrutural. A Lei 10.639/2003 busca corrigir uma falha no currículo escolar determinando a inclusão de conteúdos referentes ao continente africano e à história da formação do povo negro no Brasil. A lacuna refletia uma interpretação folclórica e discriminatória. A conjuntura anterior à lei favorecia a invisibilização da população negra, obrigada a dar provas recorrentes de sua capacidade e de superação.
A genética refuta a ideia de existência de racialização ou de subgrupos humanos. O que resta comprovado cientificamente é a existência da raça humana e suas etnias, composta de diversas variações fenotípicas. Como nos mostra o professor Silvio Almeida, o capitalismo promove a hierarquização social e racionalização, cristalizando conceitos de hegemonia de uma superioridade ou inferioridade étnicas. Nesse contexto, capacidades, talentos e tradições são substituídos por ações de eficiência tecnológicas que não são ofertadas a todos de forma justa e igualitária.
Mesmo hoje, as agremiações político-partidárias que se apresentam como progressistas, em sua grande maioria são compostas absolutamente por uma elite branca burguesa, intelectualizada, que não demonstra real interesse na pauta negro/indígena. Não se percebe, assim, nem compromisso nem interesse desses partidos de combater o racismo e promover a igualdade racial.
Tem-se a impressão de que as minorias raciais lutam sozinhas em pautas que impliquem, em alguma medida, a ruptura de estruturas de poder que promovem o preconceito e a discriminação, bem como a falta de oportunidades para os excluídos. É preciso pôr em relevo o enfoque racial para combater desajustes sociais que têm esse fator como algo determinante.
Depois de quatro anos de um desvio de rota no Brasil, há mostras de que 2023 terá como marca a "reconstrução" e, em especial, a reconstrução de valores familiares e sociais. O desenvolvimento do Brasil passa, obrigatoriamente, pela correção de postura coletiva e, especificamente, do poder público diante do racismo e pela oferta efetiva de oportunidades para as minorias raciais, entre as quais o povo negro que sempre foi a força motriz de nosso país.