Na Conferência de Biodiversidade da ONU realizada neste mês em Montreal (Canadá), o Brasil e cerca de 200 outros países chegaram a um acordo histórico para proteger um terço das riquezas naturais, na terra e no mar. E não à toa são chamadas de riquezas. Esses ecossistemas geram relevantes benefícios à sociedade, tais como absorção e manutenção de carbono, regulação do clima, disponibilidade hídrica, polinização, ciclagem dos nutrientes.
Esse importante acordo global de biodiversidade tem a ambiciosa meta de sair dos atuais 15% de ecossistemas protegidos e alcançar a marca de 30% até 2030. Nosso país, entretanto, já está à frente. Dados recentes confirmam que temos 66% de floresta nativa preservada, metade em terras públicas e metade em terras privadas, e 30% de nossa vasta área oceânica protegida em unidades de conservação marinhas.
O governo federal apoiou e pressionou de forma racional posições e acordos que fossem benéficos ao nosso megabiodiverso país. Já ambientalistas utópicos propõem metas irreais, como cota mínima de 25% de área agrícola orgânica global e total eliminação dos defensivos até 2030. Advogam pela agricultura orgânica em detrimento à convencional, que utiliza defensivos fertilizantes, tratores, transgênicos e tecnologias modernas e inovadoras, mas ignoram que é graças a ela que é possível produzir muito mais comida em uma área muito menor e que conseguimos garantir segurança alimentar aos, hoje, 8 bilhões de pessoas.
Um ponto importante a ser destacado é que países como o Brasil precisam de financiamento ambiental com formato muito eficiente de execução para garantir a proteção e manutenção dos diversos ecossistemas. Infelizmente, os montantes anunciados foram menos de 10% do valor considerado adequado, que totaliza 500 bilhões de dólares. Além dos valores insuficientes, outro problema ainda não superado é a enorme dificuldade de acesso e baixa eficiência na aplicação dos recursos, sem resultados concretos nos territórios.
Para complementar e resolver o desafio do difícil financiamento público, surge uma proposta real de financiamento privado: o comércio de créditos de biodiversidade, o biocrédito. É um conceito inovador, apresentado pelo International Institute for Environment and Development durante a conferência realizada no Canadá, com detalhes desse novo tipo de ativo econômico e financeiro, identificado como unidades de biodiversidade mensuráveis e rastreáveis e, portanto, podem ser negociados e vendidos por empresas e governos, criando assim uma solução climática lucrativa que transforma o passivo da perda da biodiversidade em ativo e impulsiona uma nova economia baseada na natureza.
Sua aplicação deve ser cuidadosamente projetada para evitar alguns erros cometidos, como o ocorrido com a compensação de carbono, que fora criada como forma de incentivo econômico para redução de emissões de carbono, mas, em alguns casos, serviu para evitar a necessária descabonização de algumas atividades. Isso não pode ocorrer com a biodiversidade. É esperado que o saldo do comércio dos créditos seja sempre positivo para a natureza e para as pessoas.
As pessoas que vivem em áreas ricas em biodiversidade muitas vezes arcam sozinhas com os custos mais pesados da proteção e dos esforços de preservação. Nesse sentido, os biocréditos podem incentivar uma nova economia de conservação e a restauração da natureza. A estrutura de projetos de biocrédito precisa assegurar alta integridade ambiental e rastreabilidade das unidades, já os compradores devem ser monitorados para garantir que não estejam usando o crédito para compensar danos em outros lugares e que o investimento na compra dos biocréditos maximize o impacto social e ambiental, atestando que o recurso chegue a quem efetivamente trabalha para proteger, restaurar e manter a biodiversidade das comunidades locais e dos produtores rurais.
No Brasil, os primeiros passos para formalizar créditos de biodiversidade vieram com a Medida Provisória nº 1.151, de 26 de dezembro de 2022, que reconhece o ativo ambiental de vegetação nativa, a sua valoração econômica e identificação patrimonial e contábil. Um importante incentivo às atividades de melhoria, restauração, conservação e proteção da biodiversidade em todos nossos biomas.
O grande impacto real do Acordo de Montreal é trazer as empresas para o jogo de proteção e manutenção da biodiversidade, que agora devem, ao longo de sua operação e da cadeia de suprimentos, fornecer informações sobre os riscos e benefícios das atividades sobre a biodiversidade.
O compromisso de preservar e restaurar a biodiversidade global está selado. Agora, será imprescindível usar de forma racional a responsabilidade do setor privado, a ciência, a inovação e o empreendedorismo verde para garantir um futuro melhor ao planeta.
*Joaquim Leite é Ministro do Meio Ambiente