José Natal do Nascimento - Jornalista
Morre com Pelé o símbolo de uma era que curtia com o futebol todas as formas de emoção que esse esporte pode despertar. Desde que seu talento apareceu para o mundo da bola, na Copa de 1958, na Suécia, nenhum outro jogador ou qualquer outro atleta de qualquer esporte alcançou tantos títulos, carisma, supremacia e representatividade no universo esportivo.
Nascido negro, pobre e ainda bem distante do business comercial, glamoroso e cibernético que o ambiente do futebol proporciona hoje, Pelé, indiscutivelmente, foi o atleta que mais se aproximou da chamada perfeição na execução teórica e prática da atividade que exerceu. Eu disse perfeição, se é que a perfeição existe.
Edson Arantes do Nascimento, fenômeno que a humanidade reverenciou ao longo dos últimos 50 anos, pela maestria nunca vista antes, despede-se de nós sem o menor risco de ter sua genialidade sequer comparada a qualquer outro ídolo em atividade nesse esporte no Brasil, e no planeta.
Nenhum — e nenhum mesmo — desses atuais personagens de primeira grandeza do futebol atual — leia-se Messi, Neymar, Levandoski, Cristiano Ronaldo e tantos outros — conseguiram chegar perto do que foi a preciosidade criativa e potencialidade atlética de Pelé.
Isso é realidade, e não análise apaixonada ou tendenciosa. Pelé foi um atleta assustadoramente completo, e tudo que o esporte exigiu dele, foi atendido com esplendor. Sua habilidade ganhou holofotes quando tinha apenas 16 anos, jogando pelo Santos, no campeonato paulista.
Saiba Mais
Chegou à Seleção Brasileira pelas mãos do técnico Vicente Feola do São Paulo, e virou um astro. Pelé, como profissional, atuou apenas em dois times. O Santos Futebol Clube, e depois, já se despedindo da carreira, no Cosmos, equipe americana que usou Pelé como credencial para apresentação e prestígio na esfera do futebol.
Primeiro jogador profissional a conseguir a marca de mil gols na carreira, o milésimo gol aconteceu no Maracanã em 19 de novembro de 1969, quando o time praiano venceu o Vasco da Gama por dois a um.
O goleiro argentino Andrada, já falecido, foi a vítima, e com o feito, também entrou para os anais. Difícil registrar todas as façanhas, vitórias e conquistas de Pelé, que tem a maior marca já vista.
Uma das figuras mais importantes da história recente, a Rainha Elizabeth II, visitou o Brasil apenas uma vez, em 1968, quando acompanhou uma partida em que Pelé jogava. Ao entregar o troféu aos ganhadores, a rainha disse à Pelé: "Eu sei quem você é, já o conheço de nome e me sinto muito feliz em cumprimentá-lo". Em 1997 a rainha o condecorou como Cavaleiro da Coroa Britânica.
Em 1969 o time de Pelé fazia uma excursão pela África e recebeu convite para jogar na Nigéria, que vivia o conflito conhecido como Guerra de Biafra. Só que para chegar até o estádio Beni City em segurança, era preciso um cessar-fogo. E foi justamente isso que ocorreu. O conflito foi interrompido para que as pessoas pudessem ver o Rei Pelé, ao fim do jogo, a guerra seguiu.
Mas como quase todo grande ídolo mundial, Pelé envolveu-se em algumas polêmicas que marcaram sua trajetória, duas foram as mais significativas. A cobrança por uma postura na luta antirracista, e a relutância no reconhecimento da paternidade de uma de suas filhas, episódio nunca compreendido pelo povo brasileiro.
O fato é que a existência de Pelé já simbolizava a ascensão do negro no esporte sempre dominado por atletas brancos, eram só Mohamed Ali e Pelé.
Pelé era o grande goleador da humanidade, o Atleta do Século, sua linguagem, sua afirmação, e sua luta se baseavam na sua presença negra, mágica, imponente e invencível em campo, que emudeciam e emocionavam os que viam sua perícia no futebol...
Pelé cravou a pedra vital de onde nascem todos os demais craques brasileiros. O seu talento, carisma e amor pelo esporte inspirou o Presidente Fernando Henrique Cardoso a convidá-lo para ser Ministro de Esporte de seu governo. Pele aceitou. Criou a uma Lei que abriga os anseios e desejos de todos os praticantes de esporte no País. Alheio a política, cumpriu seu papel, como desportista.
Pelé simboliza vitória, orgulho e emoção. Rei incontestável, gênio absoluto, colocou o Brasil no topo do mundo, uma riqueza patrimonial, um luxo da cultura brasileira.
O Rei se foi, mas deixou enraizado em nós, a herança do pertencimento, o sentimento de glória, e a história de uma lenda a ser contada às nossas futuras gerações.