BENNY SCHVASBERG - Professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB)
A Assembleia Legislativa de Goiás aprovou, no apagar das luzes, no último dia 16, o projeto de lei complementar para criação da Região Metropolitana do Entorno do Distrito Federal (RME) e do Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Entorno do Distrito Federal (Coderme), com objetivo de buscar soluções para a governança metropolitana das Funções Públicas de Interesse Comum (Fipics).
Recolocou, assim, na ordem do dia uma pauta noticiada pela mídia em dezembro de 2018 quando a criação da referida região metropolitana, sem o pejorativo termo "entorno", foi aventada pelos governadores então eleitos Ibaneis Rocha (DF) e Ronaldo Caiado (GO). Naquela ocasião, a matéria não prosperou, pelo que registra o noticiário, porque não houve acordo entre os principais protagonistas acerca das fontes de recursos e outros aspectos operacionais e políticos para viabilizá-la.
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Cabe lembrar que a Lei Federal nº 13.089/2015, conhecida como Estatuto da Metrópole, cuja elaboração foi coordenada pelo saudoso arquiteto e deputado federal Zezéu Ribeiro (PT/BA), estabeleceu, no artigo 4º, a obrigatoriedade da aprovação pelos legislativos estaduais envolvidos quando a RM envolver diferentes unidades da Federação. Paradoxalmente, a matéria ressurge por propositura unilateral do governo de Goiás criando uma RM intitulada Entorno do DF. Pelo espírito da lei federal que regula a matéria, o projeto de lei complementar deve ser aprovado por ambas as unidades envolvidas, ou seja, concomitante ou sequencialmente, também pela Câmara Legislativa do Distrito Federal.
A discussão de matéria dessa complexidade não pode limitar-se aos aspectos legais, embora fundamentais, mas, sobretudo, enfrentar as efetivas consequências em relação ao planejamento e gestão territorial integrada das Fipics em questão. Sobretudo, no contexto do recente aumento das tarifas do transporte público das linhas de ônibus entre o DF e os municípios que compõem a chamada Área Metropolitana de Brasília — conceito formulado na Nota Técnica 01/2014 Codeplan/GDF abrangendo o DF e 12 municípios goianos que conformam seu colar metropolitano. Após suspensão do aumento por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) foi anunciada pela Secretaria de Mobilidade Urbana/GDF a devolução da gestão das referidas linhas de ônibus à — Agência Nacional de Transportes (ANTT).
O projeto goiano de RM do Entorno do DF prevê instrumentos operacionais como os consórcios públicos para gerir de forma integrada as Fipcs. Cabe lembrar que foi criado, em 2015, um consórcio entre a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) e o Saneamento de Goiás (Saneago), para a captação e distribuição de água visando beneficiar 1,3 milhão de moradores de parte do DF e de cidades vizinhas do "entorno" metropolitano. Entretanto, os investimentos e ações ficaram aquém, seguindo atual o desafio em face da precariedade da infraestrutura urbana dos 12 municípios metropolitanos. O PL goiano aprovado aponta outros temas à formação de consórcio, por exemplo, o desenvolvimento urbano. Como referência de consórcio público destaca-se a experiência do como órgão articulador de políticas Consórcio Intermunicipal Grande ABC/SP, constituído em 1990 para atuar como órgão articulador de políticas públicas setoriais. Desde então, tem apresentado significativos resultados para o desenvolvimento econômico, urbano e social da região.
A metropolização do DF, no vetor sul que concentra maior população e urbanização precária, demanda o esforço integrado da União, estado de Goiás, Distrito Federal e municípios, para atender necessidades básicas de transporte público, saneamento ambiental, educação, saúde, habitação, segurança, etc. O momento de transição de governos é propício à construção de um modelo técnico e operacional que garanta o Direito à Cidade Metropolitana, sustentável e inclusiva, para uma população de mais de 4 milhões de habitantes, a maioria em vulnerabilidade social, que constitui a terceira maior área metropolitana brasileira.
Para deixar de ser um prato requentado e tornar-se oportunidade de ampliação do Direito à Cidade têm a palavra para o diálogo os governos do DF e Goiás, legislativos, municípios da RM e a União. Sem jamais excluir do diálogo das entidades técnicas e profissionais, sindicatos e movimentos sociais organizados de toda região, na construção dessa modelagem e sua execução democrática e participativa. Atenção, GDF e legisladores distritais: a bola foi lançada na área, é tempo de colocar a metrópole na Região Metropolitana.