Entre tantas contradições, o Brasil também é controverso no que se refere à doação de órgãos. Apesar de ser o segundo país do mundo que mais realiza transplantes, perdendo apenas para os Estados Unidos, quando o assunto é doação de órgãos, o cenário é preocupante.
Segundo dados do Ministério da Saúde, foram feitos cerca de 25 mil procedimentos cirúrgicos em dois anos (2020 e 2021), mesmo durante a pandemia de covid-19, período em que alguns países paralisaram totalmente o programa de transplantes. No caso do Brasil, esse patamar ficou em 60% da média de procedimentos antes da pandemia. Desse total, cerca de 4,8 mil foram transplantes de rim, 2 mil de fígado, 334 de coração e 84 de pulmão, entre outros.
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Os altos índices são explicados pelo sucesso do maior programa público do mundo direcionado às cirurgias, que são gratuitas e garantidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A rede pública também não deixa a desejar na prestação de serviços, fornecendo aos pacientes assistência financeira para os exames preparatórios, cirurgia, acompanhamento e medicamentos pós-transplante.
Mas como tudo tem o outro lado da moeda, a questão da doação de órgãos envolve outros aspectos. Ainda é comum a recusa familiar no que se refere a dispor de um ou mais órgãos de um ente querido. Atualmente, 38,4% dos familiares não concordam em doar órgãos dos parentes falecidos, o que contribui para a redução de transplantes e doações.
No quesito lista de espera por doações de órgãos, os números continuam crescendo. Para o transplante de órgãos e de córneas, a listagem passou de 32.909, em 2020, para 34.830 interessados na fila das doações em 2021. Só em 2022, de acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), mesmo após a constatação de morte encefálica, cerca de 42% das famílias não concordaram com a doação.
A cada milhão de pessoas, menos de 20 são doadoras oficiais de órgãos, o que aumenta a fila de espera por um transplante.
A incompreensão sobre o que é morte encefálica é um dos motivos que levam as famílias e os doadores vivos a desistir da doação. Muitos não sabem, mas um único doador que teve morte encefálica pode ajudar até 10 pessoas que estão na fila de espera do transplante.
Outro motivo é a desinformação quanto ao que pode ser doado: muitas pessoas acreditam que somente órgãos, embora peles, tecidos, tendões e ossos também possam garantir a qualidade de vida de outras pessoas.
Já que no Brasil são os parentes dos pacientes os responsáveis por autorizar (ou não) a doação de órgãos ou tecidos, a partir disso, a conversa com a família, informando-a sobre a vontade de ser um doador, é extremamente importante, podendo salvar uma ou mais vidas.
Se pensarmos que há duas décadas o Brasil não tinha um banco de doadores de medula ou que não era possível a realização de testes de compatibilidade, hoje a estruturação de todo o processo para que os pacientes transplantados tenham qualidade de vida é muito maior. Portanto, temos todos os instrumentos nas mãos. Basta se manifestar em vida a favor da doação de órgãos.