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Artigo: O teatro (enfim) em obras

BARTOLOMEU RODRIGUES - Secretário de Cultura e Economia Criativa do DF

Diz a lenda que as desventuras do Teatro Nacional Claudio Santoro começaram em algum lugar bem distante de Brasília... Na madrugada de 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, um incêndio na Boate Kiss tirou a vida de 242 jovens. O fato gerou intensa comoção nacional e acabou por culminar numa lei específica, estabelecendo "diretrizes gerais sobre medidas de prevenção e combate a incêndio e a desastres em estabelecimentos, edificações e áreas de reunião de público".

Nesse ínterim, os diversos comandos do Corpo de Bombeiros em todo o país agiram para verificar as condições de segurança nos equipamentos de grande circulação. Diversos estabelecimentos foram multados e muitos interditados. Foi assim que chegaram ao Teatro Nacional. Em janeiro de 2014, após uma vistoria, identificaram-se 112 problemas, tais como acessibilidade interna e combate a incêndio. Prontamente, o Ministério Público do Distrito Federal recomendou a interdição da edificação.

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Os fatos subsequentes mostram que a partir daí a casa foi simplesmente deixada de lado, longe das prioridades dos governos que se sucederam. Uma violência à cultura, aos artistas, os projetos e sonhos e, por fim, à genialidade de Oscar Niemeyer. Quando deixamos nossa casa fechada por muito, ela acaba se tornando irreconhecível. Com o teatro não foi diferente.

Reabrir um espaço daquela magnitude nas circunstâncias em que o encontramos não foi tarefa fácil nem rápida. Tivemos de percorrer muitos labirintos da burocracia até achar a saída. Tudo o que tínhamos eram informações fragmentadas acerca de um projeto executivo datado de 2014 encomendado a uma empresa de arquitetura com sede em Porto Alegre, RS.

No governo seguinte, com um projeto orçado em mais de R$ 150 milhões, realizou-se um acordo com o Instituto Euvaldo Lodi (IEL) para fatiar a reforma em etapas. Os recursos, estimou-se à época, seriam oriundos da Lei Rouanet, por meio de organizações sociais sem fins lucrativos. Nada disso avançou.

Logo ao tomar posse, o governador Ibaneis Rocha encarou o desafio e adotou-o. Na prática se mostrou realmente efetivo. Em 2020, um convênio assinado com o Fundo de Direitos Difusos, do Ministério da Justiça, permitiria o aporte de R$ 33 milhões. Porém, uma pandemia no meio do caminho iria se constituir um terrível obstáculo, na medida em que as análises da documentação existente se mostraram deficientes. Numa síntese, problemas de projeto, memória de cálculo e referências de planilhas de preços se transformavam numa tremenda dor de cabeça.

Havia questões que chegavam às próprias pranchas de arquitetura e engenharia. Em algumas dessas pranchas, por exemplo, não constava a última versão; em outras, os documentos arquitetônicos não estavam no acervo documental. A necessidade de abarcar um número maior de pessoal técnico levou à inclusão da Novacap para estabelecer um Relatório de Diagnóstico dos Projetos e um Plano de Trabalho com começo, meio e fim. Mas nada disso permitiu, no tempo previsto, a utilização dos recursos do FDD.

É aqui que entra a determinação do governador Ibaneis Rocha, em um momento em que estávamos todos prestes a jogar a toalha. Ao ouvir o relato da situação, numa palavra, ou, melhor, em duas, ele mudou o que seria o capítulo final da novela: "Temos recursos". Naquele momento, o governador tinha em mente os R$ 33 milhões. Faltava era dizer que, após o imenso trabalho de atualização das plantas, o parafuso que em 2013 custava R$ 0,50, em 2021 passou a valer R$ 1,20. O mesmo se aplicando ao cimento, à viga, ao fio e a tudo o que se pode imaginar em uma obra - e que obra! Logo, a conta agora era outra: R$ 55 milhões. Com a mesma economia de palavras, o governador manteve-se inalterável: "Vamos à obra".

E aqui estamos. Quem passar nas cercanias do teatro verá uma imensa cerca de tapume. Para quem esperou tanto tempo, a cerca já é motivo de comemoração. É quase como uma fita embrulhando um presente de Natal para Brasília. Para mim, falta apenas uma singela placa e, aí sim, completar a moldura: "Desculpe os transtornos, estamos em obras".