NELSON ROCHA - Ex-secretário de Fazenda e atual secretário de Planejamento e Gestão do estado do Rio de Janeiro
As lentes binárias que contaminam o ambiente político se expandiram de forma nefasta para o debate econômico. O dilema em busca do equilíbrio fiscal enroscou-se em um histórico redemoinho invertido, rumo ao século passado. Retomamos a necessidade dual de escolher qual caminho optar na encruzilhada inicial desta década ainda não perdida. No divã da análise econômica, o túnel vislumbrado para os anos seguintes necessita de imediata luz e ar fresco que favoreça a emersão de um caminho equilibrado, aquilo que os orientais rotulam de visão da sabedoria. Entre ferrenhos monetaristas e desenvolvimentistas convictos (como o autor se assume), reconheçamos que, se luz nova não houver, permaneceremos na caverna em que estamos, presos às sombras de um jogo de dissenso nacional, seja qual for a política dominante.
O diagnóstico tem caráter propositivo. É preâmbulo para que coloquemos alternativas que questionem, de forma responsável, se a equação de teto de gastos amparada nas premissas do resultado primário das contas públicas é um axioma da teoria econômica ou espécie de dogma da pós-modernidade. Se o resultado primário não captura de forma eficiente o esforço da autoridade fiscal — uma vez que há fatores imprevistos que o afetarão — é, então, legítimo discutirmos outras ferramentas em busca de harmonia entre responsabilidade e investimentos imprescindíveis.
Essa luz já existe no plano das ideias e na prática institucional. Trata-se do conceito de Resultado Fiscal Estrutural (RFE), nascido na inspiração do economista francês Olivier Blanchard, nos idos de 1990. Para ele, a viga mestra é única: os resultados fiscais deveriam ser ajustados a um ciclo econômico específico para avaliação do ato discricionário do gasto público. Traduzindo à nossa realidade: poderíamos investir sim, em qualquer momento, desde que a âncora responsável atendesse ao período econômico adequado e devidamente metrificado. Poderíamos inverter o conceito no qual países em desenvolvimento seguem a cartilha de políticas fiscais pró-cíclicas (em crise, contraem gastos; no crescimento, expandem).
Administrar as contas públicas a partir do RFE removerá os efeitos de eventos excepcionais, ajustando o resultado primário pelos números do correspondente ciclo. A discussão, no caso, alçaria patamar mais qualificado de governança: sairíamos do raciocínio bipolar em gastar mais, ou menos. O debate entraria na órbita de o quanto se deve despender de acordo com as necessidades impostas por um dado período. A responsabilidade fiscal deve ser, portanto, espécie de fiança estrutural do país. Compromisso que não se prenda à dicotomia expressa do resultado primário convencional e pela lógica de austeridade irresponsável, aquela obcecada em cortar gastos em qualquer época. A austeridade responsável sabe quando conviver com deficits estruturais para possibilitar investimentos e rápida retomada do crescimento. Nas últimas décadas, a metodologia do RFE tem sido recomendada pelo FMI, OCDE e BID. Países como Estados Unidos, Suécia Itália, França, México e os vizinhos Chile e Peru são adeptos.
Críticos à alternativa questionarão a qualidade das métricas que definiriam, com precisão, os estágios dos intervalos econômicos, assim blindando a sociedade dos interesses políticos ou eleitorais do governo de ocasião. Esse arcabouço institucional, no entanto, já existe no Brasil. O país realiza o cálculo do RFE desde 2014, conforme a Portaria 170, à época do Ministério da Fazenda. Metodologia e resultados oficiais são publicadas ano a ano desde 2016 pela Secretaria de Política Econômica. Mas pasmem: um instrumento desse porte é praticamente ignorado como elemento de apoio às decisões estratégicas.
O facho de luz para ampliar o debate sobre política fiscal, portanto, já está posto. Incorporar o conceito de Resultado Fiscal Estrutural na arena macroeconômica se impõe. A nação agradecerá a esse valioso auxílio para percorrer o longo e tortuoso túnel do equilíbrio fiscal que se apresenta às próximas décadas.
<h3>Cobertura do Correio Braziliense</h3>
<p>Quer ficar por dentro sobre as principais notícias do Brasil e do mundo? Siga o <strong>Correio Braziliense</strong> nas redes sociais. Estamos no <a href="https://twitter.com/correio" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Twitter</a>, no <a href="https://www.facebook.com/correiobraziliense" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Facebook</a>, no <a href="https://www.instagram.com/correio.braziliense/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Instagram</a>, no <a href="https://www.tiktok.com/@correio.braziliense" target="_blank" rel="noopener noreferrer">TikTok</a> e no <a href="https://www.youtube.com/channel/UCK3U5q7b8U8yffUlblyrpRQ" target="_blank" rel="noopener noreferrer">YouTube</a>. Acompanhe!</p>
<h3>Newsletter</h3>
<p>Assine a newsletter do <strong>Correio Braziliense</strong>. E fique bem informado sobre as principais notícias do dia, no começo da manhã. <a href="https://www.getrevue.co/profile/correio-braziliense?utm_campaign=Issue&utm_content=profilename&utm_medium=email&utm_source=Newsletter+do+Correio" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Clique aqui.</a></p>