ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
As violentas manifestações ocorridas em Brasília logo após a festa de diplomação do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, foram semelhantes às que ocorreram no país em 2013. Tudo começou, naquele momento, com a simples elevação do preço do bilhete de transporte em São Paulo: aumento de vinte centavos. A irritação com a longa recessão, com desemprego, inflação e a dificuldades evidentes do governo Dilma fizeram explodir, literalmente, a irritação da classe média brasileira.
Pela primeira vez em tempos recentes as ruas no país foram tomadas por manifestantes que não eram controlados pelos partidos de esquerda. No primeiro momento, aquele cenário pareceu problema específico. Questão pontual. Vista a partir de hoje, a cena demonstra o início do longo processo político de que resultou na quase aniquilação dos partidos de esquerda e do triunfo eleitoral inesperado de um candidato de extrema direita, sem partido, sem equipe e sem projeto de governo.
O quebra-quebra realizado na semana passada no centro de Brasília teve como motivo imediato a prisão de suposto líder indígena. A razão oculta foi a diplomação de Luiz Inácio Lula da Silva. A tentativa de invasão da sede da Polícia Federal, ousadia absurda, ocorreu nas proximidades das instalações da TV Globo, que se situam no outro lado da rua. Naquele momento, seus comentaristas discutiam o futuro político do país. A menos de 500 metros havia uma praça de guerra. E o hotel onde o presidente eleito estava hospedado. O destino da política nacional se concentrou no centro de Brasília, mas ninguém foi preso, o que é informação importante. Alguém no alto escalão do poder decidiu por não identificar os manifestantes.
O clima de confronto violento precedeu nos últimos anos o período Bolsonaro, que, no poder, promoveu o desastre conhecido. Ainda assim recebeu 58 milhões de votos. Lula, e seu Partido dos Trabalhadores, venceu a eleição no segundo turno depois de estabelecer laços com o centro, notadamente com o MDB da candidata Simone Tebet. Conseguiu alguns nacos de votos no PDT. Sem essa colaboração eleitoral, teria dificuldades para ganhar a eleição. A frente liberal improvisada venceu o pleito com a proposta de impedir que o Brasil revisite o ambiente político conduzido por militares de mãos dadas com representantes de extrema direita.
As circunstâncias não aconteceram por acaso. A Nova República se esgotou como consequência das profundas mudanças ocorridas na economia internacional. A guerra fria acabou, a União Soviética saiu da vida e entrou para a história, o comunismo deixou de existir na sua forma original. Resiste na China, segunda maior economia do planeta e maior parceiro comercial do Brasil, numa forma curiosa: um país, dois sistemas. Capitalista na prática e comunista no processo político. Mas o chinês não quer exportar ideologia, quer vender bens e serviços. No Brasil, PSDB e PT se sucederam no poder sem perceber o desgaste até que a tragédia eleitoral aconteceu.
O governo brasileiro de extrema direita tratou de isolar o país e evitar parceiros internacionais, exceto aqueles ideologicamente afinados. O país perdeu mercado e oportunidades. A economia estacionou e a pandemia, conduzida de maneira desastrada, produziu enorme estrago. A péssima política em relação ao meio ambiente fechou as portas para eventuais acordos internacionais. A extrema direita passou a produzir dentro do país cenário semelhante ao que criticava nos antigos países comunistas. Os extremos se encontram. A frente ampla em defesa da democracia que conseguiu vencer a eleição no Brasil deverá propor soluções inovadoras para ultrapassar a radicalização política, a desconfiança dos militares e responder aos desafios da economia. É preciso ter eficiência para identificar os problemas e eficácia para resolvê-los.
Nada disso será fácil. O presidente Lula já governou por dois mandatos e tem pleno conhecimento do que deu certo e do que não funcionou. Agir da mesma maneira que foi realizada antes, não produzirá efeitos diferentes. Portanto, o período Lula 3 terá, necessariamente, que ser diferente dos dois anteriores. Ele já foi abraçado pela comunidade internacional. Irá aos Estados Unidos, à China e à Argentina no início de seu mandato. Pretende fugir do isolamento e procurar novos parceiros comerciais. Os riscos são abissais. Eventual fracasso do atual governo abrirá uma avenida para que a extrema direita chegue ao poder no Brasil, maior economia do hemisfério sul, por intermédio de eleições livres, realizadas pelas discutidas urnas eletrônicas.
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