"Você é o que você come", prega uma das máximas da saúde. Recorro à filosofia africana ubuntu para fazer uma releitura dessa receita. Você é o que comemos. E o que não comemos. São complexos, e coletivos, os fatores que levam uma pessoa a sentar-se à mesa para saborear um almoço saudável, a abrir a embalagem de um ultraprocessado enquanto volta para casa ou a vasculhar restos de comida para saciar a fome.
Quanto à insegurança alimentar, a realidade é cada vez mais preocupante. Um relatório da ONU mostra que, em maio, a fome atingia 193 milhões de pessoas no mundo, um número 22% maior do que o registrado em 2021. A guerra no leste europeu, as mudanças climáticas e as crises econômicas devem, segundo o estudo, tornar esse cenário "sem precedentes" de escalada da fome ainda mais crítico nos próximos anos.
Aqui no Brasil, terminamos 2022 com a preocupação entre professores sobre como os alunos vão se alimentar no período das férias, sem a já defasada merenda escolar. Profissionais da educação lidaram, ao longo do ano, com crianças pedindo para levar comida para os pais e os irmãos ou desmaiando de fome dentro da sala de aula. Segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), a fome dobrou nas famílias com crianças de até 10 anos: de 9,4% em 2020 para 18,1%, em 2022.
Esse será um dos maiores desafios do próximo governo, que deve focar em qualidade ao enfrentá-lo. Não é só criar condições para que as pessoas voltem a comer, é criar condições para que elas comam melhor. Os chamados ultraprocessados — produzidos a partir de uma sobrecarga de processos industriais, incluindo a adição de químicos que os tornam viciantes — são a opção alimentar de muitos brasileiros. Há a praticidade, claro, mas, principalmente, o preço — basta comparar quanto custa um pacote de macarrão instantâneo e um quilo de um vegetal orgânico.
Os efeitos a longo prazo dessa dieta por vezes forçada incluem obesidade, diabetes, hipertensão, cânceres e até ao envelhecimento do cérebro. Em entrevista ao CB.Saúde na última quinta-feira, Eduardo Nilson, pesquisador em nutrição da Fiocruz e da USP, alertou que o Brasil registra, por ano, 57 mil mortes de pessoas com 30 a 69 anos associadas ao consumo de ultraprocessados — sendo 19 mil óbitos precoces por complicações cardiovasculares.
Considerando que esses produtos são muito consumidos pelas crianças, não é exagero dizer que há um grande risco de termos uma futura geração de jovens adultos combalidos por adoecimentos crônicos. Também não passaríamos do ponto ao traçar o perfil desses vulneráveis: negros e negras das regiões mais carentes do Brasil. Aqueles que nem sempre têm o privilégio de escolher o que comem.
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