Análise

Artigo: Desigualdade na mobilidade urbana do DF

Através de pesquisa de opinião pública com amostra de mil cidadãs e cidadãos, representativa da população urbana do DF, realizada em agosto de 2022 em 23 Regiões Administrativas, perguntamos às pessoas sobre o uso de distintos modais e sua avaliação do transporte público mais utilizado, o ônibus

Correio Braziliense
postado em 28/12/2022 05:00
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Lucio Rennó - Professor da UnB e pesquisador do ObservaDF

O ObservaDF — Observatório de Políticas Públicas do Distrito Federal, sediado na Universidade de Brasília, lançou recentemente a pesquisa Desigualdade na Mobilidade Urbana do DF, encerrando seu primeiro ano de atuação. Seguindo a trajetória que já marca o grupo de pesquisa, exploramos os impactos da profunda desigualdade de renda na região agora enfocando a mobilidade e acesso ao território.

Através de pesquisa de opinião pública com amostra de mil cidadãs e cidadãos, representativa da população urbana do DF, realizada em agosto de 2022 em 23 Regiões Administrativas, perguntamos às pessoas sobre o uso de distintos modais e sua avaliação do transporte público mais utilizado, o ônibus. Os dados indicam significativas desigualdades no uso dos diferentes modos de locomoção no DF e consequente acesso ao território.

As pessoas moradoras de Regiões Administrativas de mais baixa renda usam bem menos o carro do que moradores de cidades ricas, dependem quase que exclusivamente do ônibus para um traslado limitado a ida e voltapendular ao trabalho nas Regiões Administrativas centrais, ou de sua própria força física ao usar bicicleta ou caminhar. São pessoas que gostariam de circular mais pelo território, mas que não o fazem por que ou o transporte público é limitado e ruim ou por não terem dinheiro. A cidade — entendida amplamente — não lhes pertence.

Vamos aos dados. Enquanto 52% dos moradores das cidades mais ricas do DF usam carro como principal meio de transporte, apenas 14% nas cidades de renda média mais baixa o fazem. Estas pessoas, por sua vez, usam ônibus com bastante mais frequência: 51% dependem do transporte público nas cidades mais pobres, frente a 34% nas mais ricas. Pior, dependem de ônibus que são muito mal avaliados. Quando pedidos a darem notas de zero a dez para atributos específicos dos ônibus como limpeza, conforto, frequência, lotação, preço o transporte público de ônibus não passaria de ano se fosse estudante de uma escola. A nota para lotação é a mais baixa, com a média de 3,63. Conforto recebe 4,05; preço fica com 4,09. Limpeza e frequência têm notas levemente melhores, com 5,42 e 5,65, respectivamente. De qualquer forma, são notas bem abaixo das aceitáveis.

Quando perguntados se já deixaram de pegar um ônibus por estar lotado na última semana, confirmando as avaliações subjetivas com a declaração de um fato vivido, 73% dos moradores das cidades de renda mais baixa responderam que sim, frente a 55% nas mais ricas. Cabe salientar que as pessoas que passam por isso certamente sofrem de ansiedade, preocupação e desconforto emocional pela angústia de se atrasar para compromissos, quase sempre de trabalho. Nessa condição, as pessoas das cidades mais pobres são empurradas para o transporte pirata: 20% da população usou algum transporte não-regulamentado na última semana. Esse número é o dobro daquele nas cidades mais ricas. Um transporte público de baixa qualidade é o principal incentivador para o uso de transporte pirata.

Além desses temas, o relatório de pesquisa explorou outras questões, como o uso de estacionamentos, de bicicletas, caminhar e de aplicativos de transporte. É a primeira pesquisa na região que cobre todos os distintos modais, a partir da perspectiva dos usuários. Para mais informações sobre esta e outras pesquisas, visitem o site https://observadf.org.br/.

O ObservaDF utiliza a pesquisa social de opinião pública, com métodos científicos de coleta e análise de dados, para dar voz à população vulnerável que raramente é vista ou ouvida adequadamente pelos tomadores de decisão locais. Políticas públicas, para serem de qualidade, para atenderem as necessidades da população que delas depende — os mais vulneráveis — devem ser baseadas em evidências empíricas, e não exclusivamente na sensibilidade política. Pesquisa social capta de maneira sistemática as demandas da população e suas avaliações sobre a qualidade do serviço público. É um instrumento de aprimoramento da governança.

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