NATAL

Artigo: Errar melhor

"No jornalismo, o Natal é momento especialmente difícil. Neste dia, é feriado em todos os países cristãos do Ocidente. Ou seja, não há novidades. Não acontece nada"

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF
postado em 26/12/2022 03:51
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

Natal é uma data absolutamente previsível. Todos se preparam para a ceia, para dar e receber presentes e admitem fazer alguma reflexão sobre o que passou ou o que está por vir. As reuniões de família costumam ser tranquilas, apesar de algumas exceções. As confraternizações de final de ano de empresas, às vezes, desbordam para festas incríveis que revelam o verdadeiro caráter daquele chefe austero ou da colega discreta. Vez por outra, casamentos acabam e outros acontecem. É Natal.

No jornalismo, o Natal é momento especialmente difícil. Neste dia, é feriado em todos os países cristãos do Ocidente. Ou seja, não há novidades. Não acontece nada. Na Primeira Guerra Mundial, naquele insano conflito de trincheiras, franceses e alemães suspenderam hostilidades no 25 de dezembro para festejar o nascimento do Cristo. Confraternizaram com cerveja e uísque. Ninguém deu tiro em ninguém. Não houve conquista de território. Momento de paz. Então, não há notícia. Além dos símbolos da festa, há pouco para comentar, destacar ou criticar.

O Natal chega de maneira escandalosa nas propagandas de televisão ou nos alto-falantes dos supermercados. Todos nós somos submetidos ao Jingle Bells ou ao Noite Feliz. São dois hinos oficiosos das festas de fim de ano trazidos pelos estrangeiros que também introduziram o sempre presente White Christmas. O Jingle Bells, que se presta a vários trocadilhos, foi lançado em 1857 pelo bostoniano J. Pierpont, que esqueceu a estrela de Belém, para realçar Papai Noel, trenós e carruagens. Não esquecer que o Natal vermelho, com o velhinho de barba branca, foi a genial invenção de um refrigerante norte-americano, que possui a marca registrada do produto.

O Natal como festa religiosa começou a ser comemorado em 25 de dezembro no século 4 pela Igreja ocidental e no século V pela Igreja oriental. Homenageia o nascimento de Jesus Cristo. É o seu significado nas línguas neolatinas. Os primeiros indícios da comemoração do nascimento de Jesus em 25 de dezembro são do ano 354. Essa celebração começou em Roma, enquanto no cristianismo oriental o nascimento de Jesus já era celebrado em conexão com a Epifania, em 6 de janeiro.

A origem da data é a antiga. Trata-se da comemoração do Natalis Solis Invicti, celebração do Sol, festa tradicional do solstício de inverno realizada pelas populações pagãs que foram, posteriormente, convertidas ao cristianismo. A festa foi incorporada ao calendário da Igreja Católica. Mas não há nenhuma evidência histórica de que o Cristo tenha nascido em 25 de dezembro do ano zero, mesmo porque o calendário se modificou muito ao longo dos séculos.

A discussão é parte relevante da história da Igreja Católica. Mas, voltando ao ponto inicial, o dia de Natal é um desastre para o jornalismo porque não há notícias. E pior, para quem trabalha em jornal impresso, o pessoal da gráfica pressiona para sair mais cedo. Eles também têm direito a ceia de Natal. A primeira página, que é a última a fechar, deve estar concluída por volta das três da tarde. Depois dessa hora, o pessoal costuma começar a confraternizar dentro da redação. Cerveja, champanhe e os salgadinhos providenciados pelas secretarias.

Tempos atrás, estava na posição de dirigir um jornal impresso no dia de Natal. Tinha por obrigação escrever o editorial. Mas não encontrava assunto. Recorri ao mesmo expediente de agora. Dissertei sobre o Natal, sua história, sua beleza, o lado comercial, mas ressaltei o momento de reflexão sobre a vida. Como se os olhos pudessem saltar das órbitas e o indivíduo enxergasse a si mesmo.

Dia seguinte recebi o telefonema do dono do jornal. Ele me perguntou:

— Quem escreveu o editorial?

— Fui eu.

— Está muito bem escrito, parabéns, mas no meu jornal Cristo nasceu em de dezembro. E a festa é católica. Não se discute o assunto. Entendeu?

Levei a bronca calado e entendi que são muitos os perigos do Natal. Lula recebeu o presente de R$ 168 bilhões da PEC da gastança. Mas teve que presentear Artur Lyra com apoio à reeleição do deputado alagoano para a presidência da Câmara. O presidente eleito está cercado de pessoas que pedem ministério, emprego e colocação no governo. Difícil atender a todos sem criar ressentimentos. Mas ele precisa manter unida a frente que o elegeu. Não conseguiu ainda completar a lista de seus 37 ministros. Cantar Noite Feliz não resolve. Só muita conversa, paciência e persistência. Natal também é momento ideal para entender os equívocos do passado e tentar errar melhor no futuro.

 *ANDRÉ GUSTAVO STUMPF é jornalista

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