Democracia

Artigo: Controle da constitucionalidade

O sistema brasileiro de controle jurisdicional é amplo e preciso, tido como padrão desejável por dezenas de países

Correio Braziliense
postado em 25/12/2022 05:00
 (crédito: Maurenilson Freire)
(crédito: Maurenilson Freire)

Sacha Calmon — Advogado

José Afonso da Silva, com a autoridade de partícipe dos trabalhos de elaboração da Carta de 1988, como assessor, procura classificar as modalidades de controle nos seguintes termos: "À vista da Constituição vigente, temos a inconstitucionalidade por ação ou por omissão, e o controle de constitucionalidade é o jurisdicional combinando os critérios difuso e concentrado, este de competência do Supremo Tribunal Federal. Portanto, temos o exercício do controle por via de exceção e por ação direta de inconstitucionalidade.

De acordo com o controle por exceção, qualquer interessado poderá suscitar a questão de inconstitucionalidade em qualquer processo, seja de que natureza for, qualquer que seja o juízo. A ação direta de inconstitucionalidade compreende três modalidades: 1) interventiva, que pode ser federal por proposta exclusiva do Procurador-Geral da República e de competência do Supremo Tribunal Federal (arts. 34, III, 102, 1, a, e 129, IV), ou estadual por proposta do Procurador-Geral da Justiça do Estado (arts. 36, IV, 129, IV, e 125, § 2.º); interventivas, porque destina a promover a intervenção federal em Estado ou do Estado em Município, conforme o caso; 2) a genérica: a) de competência do Supremo Tribunal Federal, destinada a obter a decretação de inconstitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo, federal ou estadual, sem outro objetivo senão o de expurgar da ordem jurídica a incompatibilidade vertical; é a ação que visa exclusivamente a defesa do princípio da supremacia constitucional (arts. 102, I, a, e 103, incisos e § 3.º); b) de competência do Tribunal de Justiça em cada Estado, visando a declaração de inconstitucionalidade, em tese, de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (art. 125, § 2.º), dependendo da previsão nesta; 3) a supridora de omissão: a) do legislador, que deixa de criar lei necessária à eficácia e aplicabilidade de normas constitucionais, especialmente nos casos em que a lei é requerida pela Constituição; b) do administrador, que não adote as providências necessárias para tornar efetiva norma constitucional (art. 103, § 2.º)".

Merecem menção, no sistema misto brasileiro de controle de constitucionalidade das leis, duas instituições importantíssimas; quais sejam: a) o poder acionário do Ministério Público Federal e b) os efeitos erga omnes das decisões cautelares e finais, dos juízes monocráticos, nos encerros da ação civil pública, quando posta em nome de interesses difusos e coletivos (grupos macrossociais tais como mutuários do sistema financeiro da habitação, usuários de energia elétrica, contribuintes do imposto de renda etc.). A conjugação desses fatores confere ao controle difuso (ação civil pública) e ao concentrado (arguição direta de inconstitucionalidade) um poderio deveras formidando.

Essa independência na forma de atuar foi garantida pela Constituição de 1988. Até a sua vigência, o procurador-geral da República era nomeado pelo presidente da República, escolhido entre pessoas maiores de 35 anos de "ilibada reputação e notório saber jurídico". Não tinha mandato e era demissível ad nutum, isto é, pela vontade do Presidente, sem que fossem necessárias explicações.

Hoje, o escolhido deve sair dos quadros da Procuradoria, ter seu nome aprovado pela maioria absoluta dos membros do Senado e tem mandato fixo de dois anos. Sua destituição do cargo também está condicionada à aprovação do Senado. Esse novo "contorno" do procurador assegurou maior acesso ao Supremo Tribunal Federal (STF). "Agora, o procurador é um ombudsman da população na fiscalização das leis. Tem mais autonomia para cumprir sua função e menos receio de retaliações."

Um procurador-geral não submisso ao presidente põe em brios a Consultoria-Geral da República, afirmou Jarbas Passarinho, então ministro da Justiça. E para mais uma vez desmentir Cappelletti, crítico severo dos "juízes de carreira" de todas as plagas, argumentamos com o Judiciário brasileiro, onde pontificam predominantemente juízes de carreira, identificados com os valores constitucionais.

Ao elogiar a decisão histórica Supremo Tribunal Federal de derrubar a correção de 270% nas declarações do Imposto de Renda, o então Ministro, Paulo Brossard de Souza Pinto criticou "o pouco caso ou o nenhum respeito que a administração e o legislador tiveram em relação à Constituição, que veda cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. E isto é tanto maior, quando a violação abstrata da Constituição importava na violação concreta do direito e da segurança de milhões de contribuintes, agora exonerados do ônus fiscal".

O sistema brasileiro de controle jurisdicional é amplo e preciso, tido como padrão desejável por dezenas de países. A Carta de 1988, democrática, é a razão de ser dessa supremacia do Poder judiciário mais intensa que nos Estados Unidos. Basta ver agora o STF declarando inconstitucional o "orçamento secreto" (emendas do relator do orçamento).

 


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