Alimentação

Artigo: A relação entre a fome, a defesa agropecuária e o orçamento público

Apesar da produção global de alimentos superar o crescimento da população mundial nos últimos 60 anos, a fome voltou a crescer. Em 2021, cerca de 767 milhões encontravam-se subalimentadas, frente a cerca de 590 milhões em 2018

Correio Braziliense
postado em 23/12/2022 05:00
 (crédito:  Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
(crédito: Zuleika de Souza/CB/D.A Press)

Antonio Araujo Andrade Júnior - Diretor de Comunicação e Relações Públicas do Sindicato dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (ANFFA Sindical) e médico veterinário

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o mundo completou a marca histórica de oito bilhões de habitantes. No início do século 19, o pai da demografia, Thomas Malthus, vaticinou que enquanto os meios de subsistência crescem em progressão aritmética, a população cresce em progressão geométrica. Com efeito, para dobrar o primeiro bilhão de habitantes, foram necessários 121 anos. Para o bilhão seguinte, apenas 35 anos. Nos últimos 60 anos saltamos de três para oito bilhões.

Porém, Malthus não previu o aumento da produtividade dos alimentos a partir do uso intensivo de tecnologia. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), no mesmo período que saltamos de três para oito bilhões, a disponibilidade de alimentos cresceu de 2.196 para 2.963 Kcal/per capita/dia.

Apesar da produção global de alimentos superar o crescimento da população mundial nos últimos 60 anos, a fome voltou a crescer. Em 2021, cerca de 767 milhões encontravam-se subalimentadas, frente a cerca de 590 milhões em 2018.

Se por um lado, os números indicam que a fome está relacionada à má distribuição de renda, a agricultura e a pecuária devem continuar contribuindo com o aumento da produção de alimentos em escala suficiente para atender ao malthusiano crescimento populacional, com o desafio de preservar o meio ambiente e promover justiça social.

A produção intensiva de alimentos, quer sejam comodities ou produção de base familiar, está relacionada à saúde dos rebanhos e à sanidade das lavouras, à qualidade sanitária da industrialização, manipulação e transporte e ao uso racional de insumos de alta performance, como medicamentos, vacinas, rações, material genético, fertilizantes, corretivos, agrotóxicos e outros.

Nesse sentido, uma referência pouco citada nos programas de combate à fome é o papel da defesa agropecuária brasileira, que consiste basicamente em uma estrutura de normas e ações públicas e privadas, destinadas à preservação ou à melhoria da saúde animal, da sanidade vegetal e da inocuidade, identidade, qualidade e segurança dos alimentos, insumos e demais produtos agropecuários. Nas palavras da doutora Tânia Lyra, "defesa agropecuária é a proteção da agropecuária".

No Brasil, a face pública da defesa agropecuária é regida por um Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA), com instância central na Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), e instâncias intermediárias e locais, nos demais entes federativos.

Hoje, o principal desafio da defesa agropecuária é atender às demandas de um setor pujante, que produz e exporta cada vez mais, a partir de orçamentos anuais que não acompanham o crescimento do setor, além dos frequentes cortes e contingenciamentos.

Foi assim em 2015, quando a Lei Orçamentária Anual (LOA) destinou R$ 431,8 milhões para as ações de defesa agropecuária, face a um valor bruto da produção agropecuária (VBPA) de R$ 492,2 bilhões. Para 2023, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) prevê R$ 212,5 milhões face a um VBPA estimado em R$ 1,2 trilhão. O programa que fiscaliza e estimula a produção de alimentos orgânicos, imprescindível para o combate à fome, sofreu redução de cerca de 97%.

Produtores de alimentos concorrentes do Brasil no mercado global há tempos instituíram taxas para a prestação de serviços da Defesa Agropecuária. Assim, os EUA, com uma produção total de carne 14% maior que a do Brasil em 2017, dispunha de orçamento 14.000% maior, comparado à Defesa Agropecuária brasileira.

Consultorias indicam que, para que a SDA/Mapa atinja a eficiência esperada e atualize seus regulamentos, serão necessários o aporte de R$ 3 bilhões em cinco anos, o que corresponde a R$ 600 milhões por ano ou aproximadamente, 0,1% do valor exportado anualmente pelo agronegócio.

Para assegurar que a arrecadação proveniente das taxas de serviços prestados pela SDA não seja enviada para o caixa único da União, não revertida para a secretaria, faz-se necessário instituir fundos especiais de natureza contábil, a cujo crédito se levarão todos os recursos vinculados as atividades de um órgão autônomo, orçamentário e extraorçamentário, inclusive a própria receita.

Uma defesa agropecuária estruturada e autônoma passa pela definição de um modelo de órgão ou entidade da administração pública, que é determinado pela conjugação da vontade do setor produtivo com a autorização legislativa e a vontade administrativa, pautada pela definição da finalidade que um ato administrativo encerra, mediante a vontade política de reinvestir no país recursos gerados aqui mesmo, não só para elevar o desempenho econômico e o faturamento do agronegócio, mas principalmente, para garantir segurança alimentar à população.

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