MARIA JOSÉ CONCEIÇÃO MANINHA - Ex-deputada federal, é presidente da Associação de Solidariedade e pela Autodeterminação do Povo Saaraui
Poucos brasileiros sabem da existência da República Árabe Saaraui Democrática, que se tornou independente da Espanha em 1976, mas permanece com dois terços de seu território ocupados ilegalmente pelo vizinho Reino do Marrocos. É o único país, no continente africano, ocupado por outra nação.
Um muro de 2.720 quilômetros de extensão, construído pelo Marrocos e guarnecido por tropas, bunkers e solo minado, separa as terras saarauis ocupadas da área liberada, sob controle do governo da República Saaraui. Por isso, cerca de 200 mil saarauis vivem em campos de refugiados na Argélia.
O governo marroquino explora impunemente as grandes riquezas do território do qual se apropriou, e submete o povo saaraui a humilhações, agressões, prisões, torturas e assassinatos. As Nações Unidas, e em especial seu Conselho de Segurança, têm se omitido diante de tão grave violação ao direito de autodeterminação dos povos, permitindo que o Marrocos protele indefinidamente a realização de um referendo para que o povo saaraui decida se quer ou não a independência.
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A Frente Polisário - Frente Popular para a Libertação de Saguia Hamra e Rio de Oro — organização política que, desde 1973 luta pela independência, é reconhecida pela ONU e por vários países — entre os quais o Brasil — como legítima representante do povo saaraui. Hoje, 82 nações reconhecem a República Árabe Saaraui Democrática, que é país-membro da União Africana.
As associações de solidariedade ao povo saaraui e em defesa da autodeterminação do Saara Ocidental existentes em diversos países são instrumentos importantes para que a República Árabe Saaraui Democrática venha efetivamente exercer sua soberania sobre todo o território. A solidariedade e o apoio internacional reforçam a luta travada pelos saarauis nos territórios ocupados, nas regiões liberadas, nos acampamentos de refugiados, nos diversos países e nos organismos internacionais.
O Saara Ocidental tem 1.200 quilômetros de costa atlântica e suas águas estão entre as mais piscosas do mundo. Suas reservas não renováveis de água são utilizadas de maneira ilegal e abusiva em estufas pertencentes a um conglomerado da família real marroquina, associada à França, na cidade de Dahjla.
A energia solar no Saara Ocidental ocupado é capturada para uso em projetos de energia renovável e sua areia é coletada e embarcada para adornar as praias das Ilhas Canárias. O território ocupado possui reservas de sal e é liderança mundial em reserva de fosfato. A exploração de petróleo também é promissora. A associação com a Espanha permitiu ao Marrocos tornar-se o maior exportador de fosfato, explorando sem limites as reservas saarauis. Esse fosfato é explorado na mina de Boo — Cra, embarcado no porto de El Aaiun, através da companhia estatal, a Officine e Chérriffienne des Phosphates (OCP).
De acordo com o relatório "P for Plunder", da Western Sahara Resources ( WSRW), a mina de Boo — Cra exportou 1 milhão de toneladas em 2019, com uma receita estimada de U$ 200 milhões revertidos ilegalmente ao Marrocos.
Todo o debate atual gira em torno da questão dos benefícios da exploração econômica praticada pelo Marrocos nos territórios ocupados,em prejuízo dos saarauis. A Frente Polisario denuncia essa pilhagem, baseada no desrespeito e infringência ao artigo 73 da Carta da ONU, bem como o artigo 55 da Convenção de Haia, de 1907, sobre os direitos dos povos sob ocupação militar.
Em novembro de 2012, a Frente Polisario abriu um procedimento judicial, perante o Tribunal Europeu de Justiça, solicitando o cancelamento do Acordo de Livre Comércio entre a União Europeia e Marrocos, assinado em março do mesmo ano, argumentando a ausência de consulta à Frente Polisario.
Em dezembro de 2013, o Parlamento Europeu aprovou o acordo da pesca e em setembro de 2021 o Tribunal de Justiça Europeia, em decisão histórica, anulou os acordos com o Marrocos que incluam o Saara Ocidental. A decisão atende a pedidos da Frente Polisario: a anulação dos acordos de Livre Comércio e o acordo da pesca.
A Frente Polisario argumenta que esses pactos violam o direito internacional na medida em que ignoram as especificidades de um território em processo de descolonização e privam os 650 mil saarauis de usufruírem de seus recursos. A União Africana também emitiu um parecer jurídico, concluindo que "a ONU deve assumir suas responsabilidades políticas e jurídicas e proteger os recursos naturais renováveis, como fez no Timor Leste e na Namíbia, até que o povo dos territórios ocupados possam escolher o seu destino através de um referendo justo e livre".
O Brasil recebeu, extraído ilegalmente do Saara Ocidental, nos últimos 10 meses, cerca de 110 mil toneladas de fosfato, ficando entre os quatro maiores importadores mundiais do minério. Diferentes decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia, entre 2016 e 2019, reafirmaram que Marrocos e Saara Ocidental são territórios distintos e que a extração e a comercialização dos recursos naturais sem consentimento do povo saaraui são ilegais.
Não há nenhum documento de Corte ou Organização Internacional que permita ao Marrocos explorar os recursos naturais daquela região como ocorre hoje. Na última década, empresas de países desenvolvidos vêm interrompendo essas importações para se desvincularem da violência e das ilegalidades ocorridas naquela região.
Portanto, ao legitimar o recebimento de cargas de fosfato do Saara Ocidental roubadas pelo Marrocos, o Brasil está legitimando ações que reforçam a ocupação ilegal, mantendo o injustificável saque das riquezas naturais que pertencem ao povo saaraui.
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