FELIPE AUGUSTO LOSCHI CRISAFULLI — Doutorando em direito civil e mestre em ciências jurídico-políticas, é professor de cursos de direito desportivo e áreas correlatas
Em tempos de Copa do Mundo — evento que, tal qual os Jogos Olímpicos de Verão, atrai a atenção de quase metade da população mundial —, as preocupações com possíveis manipulações de resultados (match-fixing) sempre voltam à tona.
Embora decerto nenhum torneio ou país esteja isento desse risco — há casos na Uefa Champions League, Uefa Europa League, na Alemanha, na Bélgica, na Itália, em Portugal, no Brasil —, cada vez mais as atividades suspeitas, que, por regra, estão ligadas a apostas, vêm se verificando em locais de menor tradição futebolística, isto é, aqueles cujas ligas têm menos relevância (ex.: países cujos clubes não disputam competições internacionais ou atletas têm nível técnico inferior) ou seus torneios contam com menos apelo de público (ex.: campeonatos estaduais cujos clubes não participam das Séries A e B do Brasileirão).
Isso porque, nessas circunstâncias, os manipuladores de resultados (match-fixers) se sentem mais à vontade e mais confiantes para convencer os jogadores, treinadores, árbitros ou dirigentes a se engajar na dita manipulação, firmes na ideia de que, por receberem remunerações menos vultosas, serem menos profissionais ou estão menos nos holofotes dos órgãos de controle, essas pessoas tendem a ser mais facilmente convencidas de seus propósitos ilícitos ou ilegais.
Nesse sentido, o Mundial de Seleções acaba sendo uma competição com risco relativamente baixo de match-fixing, justamente por estarem todos os olhos voltados para o torneio. Ainda assim, com projeções de apostas durante o torneio na ordem dos mais de US$ 150 bilhões ao redor do planeta, todo cuidado é mais que bem-vindo.
Daí, até por se tratar da menina dos olhos de ouro da Fifa, a entidade tomar as devidas precauções para evitar que a integridade desportiva seja abalada, adotando abordagens de prevenção às mais variadas formas de manipulação ou influência ilegal em partidas e competições, bem como atuando repressivamente, por intermédio de seus órgãos decisórios.
Preventivamente, as formas mais corriqueiras de evitar o match-fixing envolvem desde a instituição de sistemas de integridade até programas educacionais para os players desse mercado, a saber, técnicos, atletas, árbitros e dirigentes, mas também os torcedores em si, enquanto consumidores do produto apostas esportivas que são.
O foco, pois, há de ser tanto naqueles que poderão, em teoria, "se deixar vender" por aliciadores, que busquem manipular resultados, até aqueles que eventualmente se depararão, algum dia, com tal situação, a fim de que repilam fazer parte desse tipo de esquema e, em simultâneo, o denunciem através dos canais próprios para tanto, sejam eles estatais, sejam aqueles mantidos pelos entes de administração do desporto.
Como exemplo dessas decisões repressivas, um dos casos mais emblemáticos, e que guarda direta relação com a Copa do Mundo, é o do ex-árbitro ganês Joseph Lamptey, banido para sempre do futebol após uma investigação da Fifa apontar a sua participação em numerosos escândalos, publicamente documentados, ao longo de seis anos. O episódio que desencadeou a investigação e culminou no referido banimento se deu após uma partida das eliminatórias da Copa da Rússia entre África do Sul e Senegal, em 2016, na qual operadores e monitores de integridade identificaram um volume fora do padrão de apostas centradas no over de gols das equipes, o que acabou por ser posteriormente correlacionado a "decisões erradas intencionais" do hoje ex-árbitro.
De todo modo, uma coisa é certa: trata-se de briga de gato contra rato. De um lado, alguém (o manipulador do resultado) tentando intervir na partida ou competição e maximizar seus ganhos, sempre de olho na equação retorno sobre o investimento e liquidez; de outro, os órgãos que administram o desporto (além do Estado, é claro), rastreando os movimentos das linhas de apostas (follow the money), buscando detectar irregularidades e evitar danos, diretos ou colaterais, às suas modalidades (e também à saúde pública, à economia e à sociedade como um todo).
A bem da verdade, contudo, não para por aí: no meio disso ainda temos o mercado, precificando cada tipo de aposta, das mais tradicionais — e.g., placar do jogo, vencedor da partida, campeão do torneio - aos chamados eventos menores — v.g., o minuto em que determinado jogador receberá um cartão vermelho, qual equipe cobrará o primeiro escanteio, quantos arremessos laterais ocorrerão no segundo tempo da partida, etc. —, e tentando se proteger e reduzir os riscos de interferências externas nos resultados das competições.
No fim das contas, portanto, as casas de apostas acabam sendo, também — quer se queira, quer não —, verdadeiras aliadas do próprio esporte para a sua segurança e confiabilidade. O atuar conjunto destas com as entidades de administração é algo cada vez mais essencial ao esporte mundial, na busca pela maior transparência e insuspeição de suas atividades — e não será diferente durante a Copa do Mundo do Catar.
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