MOZART NEVES RAMOS — Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
O Brasil, sem dúvida, precisa olhar com mais atenção e prioridade para a educação básica, é preciso colocar numa mesma equação quantidade e qualidade. Isso não é simples. Não se trata apenas de mais dinheiro, mas também de melhor gestão no emprego desse dinheiro, que se traduza na melhoria da aprendizagem dos estudantes e na redução das desigualdades educacionais. Se já eram desafios importantes na agenda educacional, se ampliaram muito no pós-pandemia. Todavia, o Brasil não pode esquecer do ensino superior.
Em geral, quanto mais anos de estudo tiver a população de um país, maior será a sua riqueza, medida pelo percentual do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que se acentua exponencialmente com a qualidade da oferta. Por isso, é importante que o Brasil veja como anda seu ensino superior, que tem muitos problemas a serem resolvidos, tanto na esfera pública, como particular. A seguir destacamos alguns dos desafios tomando como base os dados do Censo do Ensino Superior de 2020:
1) 77% das matrículas estão concentradas no setor particular, que, em números absolutos, correspondem a 6.724.002. Não obstante esse expressivo número, o Brasil tem uma taxa líquida (matrículas de estudantes de 18 a 24 anos, nesse nível de ensino, em relação à população total dessa faixa etária) muito baixa, próximo a 20%; muito abaixo de alguns dos nossos vizinhos, como Argentina, Chile e Uruguai. A meta, de acordo com o Plano Nacional de Educação (PNE), seria alcançar o percentual de 33% até 2024, o que infelizmente não ocorrerá;
2) indo para a faixa etária seguinte, de 25 a 34 anos, o percentual da população brasileira com ensino superior é também muito baixo, de apenas 24%; por seu lado, a média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) é de 46%. No nosso país irmão, Portugal, essa taxa é de 42%;
3) sobram muitas vagas no ensino superior, possivelmente em cursos de baixo interesse social. Essencialmente, tais vagas remanescentes encontram-se no setor particular, mas, na rede federal, são 116 mil vagas, a maioria das quais em cursos presenciais;
4) a entrada no ensino superior se dá majoritariamente pelos cursos a distância (EaD), mas na rede federal ainda é feita por via de cursos presenciais, com 91%;
5) um dado preocupante para a educação básica, considerando-se a baixa qualidade, em geral, da oferta dos cursos a distância: dentre os 10 dos maiores cursos de EaD na rede federal, 7 são no campo da formação de professores — nas diferentes licenciaturas. E a pedagogia é o curso de EaD que recebe o maior número de matrículas, tanto na rede federal como na particular;
6) a taxa de desistência no ensino superior é elevadíssima. De cada 100 ingressantes, 59 desistem. E isso não depende de os cursos serem rede pública ou particular. Na rede federal, a taxa de desistência é de 55%. Além disso, o resultado independe da modalidade, se presencial ou de EaD. Na presencial, a taxa de desistência é de 58%. Um aspecto interessante é que esse percentual cai muito entre alunos com financiamento público. Entre os alunos que recebem o Financiamento Estudantil (Fies), por exemplo, o percentual de desistência é de 38%;
7) os três cursos de licenciatura com maiores taxas de desistência são física (78%), matemática (70%) e química (69%). Exatamente nas disciplinas que mais têm carência de professores no ensino médio.
Esse quadro também preocupa a maior — e possivelmente a melhor — universidade brasileira, a Universidade de São Paulo (USP). Por isso, o reitor Carlos Gilberto Carlotti criou um grupo de trabalho (GT) para trazer insights para o que ele chama de construindo a educação do futuro. Tive o privilégio de ser convidado pelo magnífico reitor para coordenar esse GT. Uma coisa é certa: a universidade precisa acordar urgentemente para as mudanças que estão acontecendo no mundo o trabalho, impactado por um cenário cada vez mais disruptivo. A universidade vai precisar ouvir, como nunca, seus egressos nas reformas curriculares. Os currículos vão precisar ser mais dinâmicos, e os professores estar preparados para formar seus alunos para o futuro que virá.
Há muita coisa acontecendo fora dos muros das universidades, que hoje já não são mais os únicos nichos produtores deconhecimento. Ou a universidade percebe isso ou perderá parte de seu prestígio social.
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