Opinião

Visão do Correio: os erros da China no combate à covid

Tivesse a China bancado um programa maciço de vacinação, especialmente entre a população mais idosa, talvez não estaria enfrentando a rebelião popular

Os olhos do mundo se voltaram para China. Segunda maior economia do planeta, o país asiático enfrenta os mais contundentes protestos populares desde os vistos na Praça Celestial em 1989. O duro regime político chinês está sendo confrontado por causa de seu programa de covid zero, impondo restrições pesadíssimas aos cidadãos. Nas ruas, os manifestantes pedem a renúncia do presidente Xi Jinping, que, recentemente, conseguiu um inédito terceiro mandato.

Até bem pouco tempo seria inimaginável ver esse tipo de posicionamento tão contundente contra o governo, mas a insatisfação ganhou corpo e reúne todos os setores da sociedade. Uma China em ebulição provoca calafrios no globo.

Os protestos ganharam corpo depois de um incêndio em um prédio, que resultou na morte de 10 pessoas na região de Xinjiang, submetida a um fortíssimo lockdown que dura três meses. Os manifestantes acreditam que as restrições determinadas pelo governo impediram as vítimas de deixarem o local. Há queixas de que, na mesma área, pessoas estão morrendo de inanição porque não conseguem sair de casa. Nesses casos, as vítimas seriam, sobretudo, de minorias muçulmanas, já bastante perseguidas pelo regime chinês.

Os gritos contrários ao governo de Xi Jinping são engrossados por migrantes que trabalham na maior fábrica de montagem de iPhones do mundo, na cidade de Zhengzhou. Eles cobram abonos a que têm direito e que não foram pagos pela empresa à qual prestam serviços. Também criticam as terríveis condições de saúde e trabalho na fábrica que foi isolada pelo lockdown. Os protestos, portanto, reúnem grupos de múltiplos de interesses, de operários de fábricas a comerciantes, de estudantes às elites dos grandes centros urbanos. Com as medidas restritivas, alegam que estão perdendo tudo.

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A convulsão social que se desenha na China está sendo alimentada também pelo fraco desempenho econômico. O gigante asiático precisa crescer, no mínimo, acima de 5% para que continue a sustentar seu processo de ascensão social. Neste ano e no próximo, tudo indica que o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) chinês crescerá entre 3% e 3,5%. É quase nada para uma sociedade que se acostumou com aumento do poder de consumo nas últimas duas décadas. É entre os mais jovens, que nasceram depois das manifestações da Praça Celestial, que se encontra o maior foco de insatisfação, impulsionada pelas redes sociais, que têm driblado a censura que impera no país.

Tivesse a China bancado um programa maciço de vacinação, especialmente entre a população mais idosa, talvez não estaria enfrentando a rebelião popular. Agora, se quiser conter a onda de protestos, o regime autocrático terá de se render à ciência e abrir, inclusive, as portas para vacinas estrangeiras. Não há governo que se sustente por muito tempo com políticas equivocadas na área de saúde, mesmo que o autoritarismo seja a marca do país. Dois anos atrás, a política de covid zero preservou a liberdade da maioria da população, porque fez um bloqueio forçado em algumas regiões, como a de Wuhan. Neste momento, porém, o sofrimento é nacional, unindo os insatisfeitos.

Resta saber em que caminho seguirá Xi Jinping e para onde levará a China. Se liberar geral as restrições, corre o risco de levar pelo menos 1 milhão de pessoas à morte pela covid, por falhas na imunização da população. Também não pode passar a impressão de que os manifestantes venceram, o que fragilizará demais o regime. Encontrar o meio-termo requer muita habilidade política. Em outros momentos, o líder chinês mostrou que sabe manejar as ferramentas de que dispõe. Porém, na atual conjuntura, está lidando com vidas, com demandas sociais e trabalhistas reprimidas e uma economia fragilizada. A China está longe de sair desse impasse. E o mundo deve se preparar para as consequências do que virá.

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