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Artigo: Uma ponderação sobre as relações civis e militares

"Para abolir a guerra há

que remover suas causas que

residem na imperfeição da

natureza humana."

Liddell Hart

Uma discussão sobre o papel das Forças Armadas se instalou para além dos muros dos quartéis. O momento político foi o catalisador. Formou-se um torvelinho de opiniões divergentes, desamparadas de conhecimento qualificado, que bruma grupos da sociedade.

Há uma incompreensão da população, em especial formadores de opinião, diante da obrigação do profissional das armas em ser pragmático no planejamento e execução de suas tarefas. Ela espera que emoções definam as decisões dos homens e mulheres das armas e que essas decisões sejam tomadas de afogadilho no talão da bota (expressão militar que indica a escolha da opção de combate sem muito pensar) como se pressa fosse sinônimo de eficácia.

O soldado tem o dever de se posicionar publicamente e com serenidade sobre fatos que afetem o seu papel legal, a sua missão, a estrutura de meios e o desempenho dos recursos humanos. Seu porta-voz, a figura do comandante, vestido da couraça envelhecida por anos de labuta, não pode se permitir que seu julgamento seja deformado por conveniências emocionais ou políticas.

Ele atua consciente de que a responsabilidade do militar perante o Estado é de natureza tríplice e precisa estar clara na consciência de seus tutores, a sociedade, bem como dos detentores do poder político. O militar exerce uma função representativa, uma consultiva e uma executiva. Essas etapas, quando bem definidas, fortalecem a política de defesa de uma nação.

A função representativa trata das reivindicações da segurança militar dentro da máquina de Estado. A consultiva versa sobre as linhas de ação propostas pelo Estado na ótica castrense.E a executiva põe em prática as decisões do Estado relativas à segurança nacional. As forças exercidas essas funções, controladas por um sistema de freios e contrapesos institucionais, naturais em um ambiente democrático, buscam o equilíbrio entre o lícito interesse corporativo do militar e o necessário controle pela sociedade.

As relações entre civis e militares também são influenciadas pelas exigências de segurança externa e interna e pela natureza dos valores latentes na população. Nessas circunstâncias, o desconhecimento pela sociedade do tema ofende o senso natural de sobrevivência do povo.

Não fosse bastante ter que imergir no estudo de tema áspero e de difícil entendimento pelo cidadão, mais recentemente, o artigo 142 da CF/88, que elenca as missões "pétreas" nas Forças Armadas, vem sofrendo ataques. A compreensão dessas tarefas deveria ter "transitado em julgado e, portanto, não caber recursos". Todavia, ainda encontramos grupos que acolhem uma tese difusa na qual as Forças Armadas poderiam assumir um papel de poder moderador.

A teoria, defendida em ambientes inelásticos, personalistas ou eivados de interesses políticos, vem trazendo muita ansiedade na sociedade. Admito a necessidade de reflexão sobre a missão constitucional das Forças, incorporando-se um dinamismo modernizador ao conceito, que aclare possíveis imperfeições no texto. Não obstante, não se promovam modificações por contenciosos de momento.

A simbiose entre o civil e o militar só se concretizará se houver humildade para reconhecer erros pretéritos e resiliência para ultrapassar obstáculos futuros pelos personagens que dominam os lados opostos dessa ponte em perene construção. É crucial fortalecer a segurança das instituições sociais, econômicas, tecnológicas e políticas contra ameaças externas (das quais a médio prazo estamos libertos) e contenciosos internos indicadores de divisionismo (ardentes nos últimos tempos).

É crucial, pari passo, estimular Forças Armadas com perfil profissional inconteste, que as afaste das armadilhas da política partidária, ao tempo em que se estimule junto ao cidadão comum conhecê-las por dentro,dirimindo fantasmas.

Os cenários de guerra modernos não são mais westfaliano, quando se subordinavam à confrontação entre Estados-nação.

Atualmente, viceja a "guerra de quarta geração", sem fronteiras, inimigos sem rosto e objetivos não palpáveis. O centro de gravidade é a vontade de lutar. A opinião pública é o objetivo a ser conquistado.

Por tudo isso, cabe tão somente à sociedade, mudando sua postura, a intransferível responsabilidade de avaliar adequações que possam ser necessárias ao papel das Forças Armadas. Fortalecê-las como instrumento independente de Estado, peça importante da estabilidade interna e da dissuasão externa. O momento político é catalisador de desafios, ao mesmo tempo gerador de oportunidades.

Paz e bem!

 

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