DIMAS COVAS - Médico e professor da USP (Butantan)
Em 2007, o Brasil decretou a sua Política de Desenvolvimento da Biotecnologia (Decreto nº 6.041) com o objetivo de estabelecer um ambiente adequado para o desenvolvimento de produtos e processos biotecnológicos inovadores, estimular a maior eficiência da estrutura produtiva nacional, aumentar a capacidade de inovação das empresas brasileiras, absorver tecnologias, gerar negócios e expandir as exportações. O decreto definiu como áreas prioritárias a saúde humana, a agropecuária, a indústria e o meio ambiente. Quatro ações estruturantes foram definidas: financiamento adequado, formação e capacitação de recursos humanos, consolidação e expansão da infraestrutura física de instituições públicas e privadas, e aperfeiçoamento do marco regulatório do setor. Tudo certinho como mandavam os manuais.
Um pouco depois, em 2011, a China definiu no seu 13º Plano Quinquenal (2015/2020) que a biomedicina seria uma de sete prioridades estratégicas do país, com a meta de que a biotecnologia deveria representar, em valor de mercado, pelo menos 4% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em 2020. Na esteira desse plano, seguiram-se outras ações, como o programa Made in China, lançado em 2015, que definia que o conteúdo nacional dos materiais básicos, incluindo os farmacêuticos, fosse 40%, em 2020, e pelo menos 70% em 2025. Entre 2015 e 2017, a China realizou também uma grande reforma regulatória conhecia como CFDA Big Bang e lançou o plano China Saudável 2030, com a meta de reduzir a mortalidade prematura por doenças não cardíacas de acordo com o objetivo número 3 do Plano de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). Outros países como Japão, Índia e Coreia do Sul também iniciaram programas robustos na área farmacêutica e biotecnológica na mesma época.
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A Coreia do Sul começo o seu principal plano estratégico para biotecnologia em 1982. Em 1993, lançou o plano Biotech 2000 e em 2006, o BioVision 2016. Os objetivos principais desses planos eram transformar a Coreia do Sul em uma sociedade orientada pela vida e pela bioeconomia no prazo de 10 anos. A meta era colocar o país entre os 10 maiores produtores de produtos farmacêuticos e biotecnológicos.
Passados 15 anos do lançamento da Política Nacional de Biotecnologia, o Brasil apresenta deficit anual na sua balança comercial e medicamentos de cerca de US$ 6 bilhões. Mais de 95% dos insumos farmacêuticos ativos (IFA) usados no país são importados e, durante a pandemia, o setor demonstrou toda a sua fragilidade com falta de produtos, medicamentos e vacinas. A biotecnologia do Brasil não se desenvolveu como planejado pela Política de Biotecnologia. Por outro lado, a China tornou-se uma potência mundial em biotecnologia liderando o desenvolvimento clínico de produtos biossimilares, de vacinas e de terapias avançadas contra o câncer. No momento, o país concentra o maior número de biotecnológicos em desenvolvimento produtivo e clínico, superando os Estados Unidos. A Coreia do Sul seguiu trajetória semelhante à da China. Ambos os países são hoje gigantes da indústria de biotecnologia mundial.
No Brasil, iniciativas isoladas buscam alinhar o país a essa rota. Em novembro, o Global Vaccine Market Report, da Organização Mundial da Saúde (OMS), colocou o Instituto Butantan entre os 10 maiores produtores mundiais de vacinas por faturamento, excluindo vacinas de covid-19 — um grande marco para a indústria nacional de biotecnologia. A inclusão na lista ajuda a consolidar a posição do Butantan como produtor global de imunobiológicos e reflete sua expansão internacional, exemplificada por ações como a exportação de vacinas contra a gripe para países como Equador, Uruguai e Nicarágua.
Mas ainda é pouco: ações independentes de uma instituição pública, ainda que do mais alto nível, não são suficientes para consolidar a posição estratégica de um país em uma indústria tão competitiva e complexa. Finalizo perguntando: o que deu errado com a biotecnologia do Brasil? Neste momento, em que se aproxima o início de um novo governo, o país precisa resgatar esse tema. A bioindústria é o futuro na saúde e em outras áreas da nova economia. Perdemos muito tempo.