ÁNGEL ALONSO ARROBA - Vice-reitor da Escola de Assuntos Globais e Públicos da IE University
Os líderes das principais potências mundiais se reuniram em Bali na nova cúpula do G20, o grupo das 19 nações mais desenvolvidas do mundo e a União Europeia. O evento despertou um especial interesse, já que foi a primeira vez em que os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e da China, Xi Jimping, se encontraram em um contexto de crescente tensão global que muitas pessoas já consideram como nova guerra fria. Vladimir Putin não participou do evento, apesar dos esforços do anfitrião, o presidente indonésio, Joko Widodo. Seria uma "foto de família" singular, em um momento marcado pela guerra na Ucrânia, pela tripla crise energética, econômica e alimentar e pelo retorno de uma ameaça nuclear que pensávamos estar restrita aos livros de história.
Apesar da previsível ausência da Rússia, não há dúvidas de que poucos fóruns multilaterais possuem a relevância do G20. É o que acabamos de ver na COP27 em Sharm el-Sheikh, cuja abertura foi marcada pela ausência de Biden, de Xi e de Narendra Modi (Índia), líderes dos três países mais poluentes do planeta.
O surgimento e a consolidação do G20 como o principal grupo de cooperação econômica e financeira internacional ocorreram precisamente em outro momento de crise atípica: 2008. Há 14 anos, o mundo também parecia estar à beira do colapso. Foi salvo, em grande medida, graças à audácia de líderes como Gordon Brown, Nicolas Sarkozy e Kevin Rudd, que, com a anuência inicial de George W. Bush e o posterior impulso de Barack Obama, souberam admitir o que o então G8 tinha relutado em admitir até então: a necessidade imperativa de implicar ativamente os grandes países emergentes na tomada de decisões sobre governança econômica global. Com visão e pragmatismo, transformaram um fórum que já existia desde 1999 integrados por ministros da economia e presidentes de bancos centrais, em uma cúpula de líderes, por meio de sucessivas reuniões em Washington, Londres e Pittsburgh.
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Mas o tempo passou e deixou sua marca no G20. Ao longo dos anos, esse fórum passou por alguns altos e baixos, mas sempre conseguiu sobreviver quando muitos consideravam que estava morto, ou pelo menos que estava agonizando. Talvez seu momento mais frágil tenha sido em 2020, durante a presidência saudita, marcada pela troca de acusações sobre a origem da covid-19 e pela incapacidade de articular uma agenda compartilhada como resposta à pandemia.
Como tantos outros espaços multilaterais, o G20 vinha sofrendo há anos não apenas com o desgaste das sucessivas presidências, com prioridades variáveis, mas especialmente com a erosão gradual do multilateralismo, que se acelerou desde 2015. Os catalisadores desse processo foram a implosão do G8 após a invasão da Crimeia pela Rússia, a crise migratória síria, o inédito retrocesso na construção europeia causado pelo Brexit e, é claro, a desastrosa presidência de Donald Trump. Em apenas quatro anos no cargo, o magnata de Nova York causou mais danos à cooperação internacional — e, consequentemente, à democracia de seu país — do que qualquer outro presidente na história recente. Ainda estamos pagando as consequências.
Será que assistimos ao enésimo ressurgimento do G20 em Bali, depois do discreto evento do ano passado em Roma? É pouco provável. Assim como em 2008, estamos novamente à beira do abismo. Mas a grande diferença entre o momento atual e 15 anos atrás é que a ameaça econômica é apenas o sintoma de uma grande fratura política que o planeta atravessa com uma intensidade inédita desde a queda do bloco soviético. O comércio e os investimentos transnacionais, que desde os anos de 1990 vinham favorecendo certa integração planetária devido à globalização, estão agora sendo superados e subordinados a dinâmicas centrífugas marcadas pela luta hegemônica global.
O soft power e a diplomacia econômica acabaram. Volta a reinar a política do poder mais realista e tradicional. Estamos assistindo ao crescente confronto de dois modelos antagônicos: o capitalismo de mercado, de viés democrático, e o capitalismo de Estado autoritário; o resto do planeta está se movendo entre os dois polos, com uma tendência perturbadora em direção a impulsos cada vez mais iliberais. E, nos resquícios dessa luta, se infiltra o crescente confronto entre o globalismo e o nacionalismo, sem dúvida o debate decisivo do nosso tempo.
No coração do G20 batem ambos os modelos e concepções do mundo, o que dificulta a possibilidade de dar impulso à sua agenda, incluídos os três pilares definidos pela atual presidência indonésia: reforma da arquitetura de saúde global, transição energética sustentável e transformação digital e tecnológica. Sendo assim, não devemos minimizar dois fatos únicos que abrem uma certa margem para um otimismo moderado.
Em primeiro lugar, a sucessão de quatro presidências do G20 do chamado Sul Global, com a Índia, o Brasil e a África do Sul que substituirão a Indonésia até 2025. E, por outro lado, no âmbito puramente latino-americano, um previsível alinhamento progressivo entre os três países membros do G20 da região — Argentina, Brasil e México —, inédito até hoje, desde que esse fórum adquiriu sua atual relevância.
Ambos os fenômenos nos remetem a um tímido cenário de possibilidades: países com um crescente peso global que aspiram o desenvolvimento de seus povos, sem cair no jogo de soma zero e na luta pela hegemonia global travada por Washington e Pequim. Países que, particularmente no caso dos três membros latino-americanos do G20, se vangloriam de um discurso de que outra globalização é possível: mais humana, mais equitativa, mais respeitosa do planeta.
Se a crise dos anos de 1970 originou o G7 e a de 2008, o G20, talvez essa situação dramática de crise planetária que estamos vivendo possa dar origem a um novo modelo de governança global, sem a necessidade de passar pelo trauma de um grande conflito, como aconteceu em 1918 ou 1945. Talvez possamos criar novo sistema baseado menos na concorrência, exclusão e interesses nacionais e mais na solidariedade, inclusão e interesse coletivo global. Em um momento particularmente difícil como o atual, com os tambores de guerra batendo com particular virulência, é hora de que surja uma nova maioria de países dispostos a construir uma ordem mundial diferente, que finalmente supere as lógicas de poder que estão pesando na história da humanidade. E o próprio G20, paradoxalmente, pode oferecer um bom Cavalo de Tróia para isso.