MAURÍCIO ANTÔNIO LOPES - Pesquisador da Embrapa Agroenergia
Estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), revisadas em julho, indicam que a população global deverá atingir 8 bilhões em novembro de 2022. Ao fazer o anúncio, o secretário-geral Antônio Guterres afirmou que "esta é uma ocasião para celebrar nossa diversidade, reconhecer nossa humanidade comum e se maravilhar com os avanços na saúde que prolongaram a vida útil e reduziram drasticamente as taxas de mortalidade materna e infantil". Mas no mesmo discurso ele lembrou quão distantes ainda estamos da "responsabilidade compartilhada de cuidar do nosso planeta e dos nossos compromissos um com o outro".
O mesmo Guterres nos alertava em setembro de 2022 que o "nosso mundo enfrenta grandes problemas, com divisões se aprofundando, desigualdades se ampliando e desafios se espalhando". É crescente a sensação de que a humanidade está presa a uma espiral viciosa de adversidades de toda ordem. Apesar de vários alertas científicos do impacto humano na resiliência dos ecossistemas, é alto o risco de danos irreversíveis nos sistemas terrestres. Tensões, conflitos e crises concomitantes se somam para minar perspectivas de cooperação necessárias para superação dos enormes problemas que impactam a todos.
Na verdade estamos enredados numa teia de relações de complexidade inédita, situação para a qual a humanidade não está preparada. Crises climática, sanitária e energética, combinadas a inflação crescente, exacerbam dificuldades econômicas. Países são forçados a escolhas mitigadoras de curto prazo, ao invés da busca de resiliência de longo prazo, o que alimenta conflitos sociais, competição por recursos escassos e tensões geopolíticas. Incentivos e mecanismos econômicos para estímulo a escolhas sustentáveis seguem sendo ofuscados por tolerância e insistentes subsídios a processos e estruturas sabidamente insustentáveis.
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Ao chegarmos a 8 bilhões de humanos, compondo uma sociedade mais idosa, urbanizada e impaciente, é imperativo que encontremos caminhos para transformações simultâneas em vários domínios interdependentes — econômico, social, político e tecnológico — sem o que não alcançaremos um futuro sustentável. Transformações que ajudem a superar a crescente concentração de poder e a falta de políticas promotoras de equidade, justiça e harmonia com os sistemas naturais, o que faz crescer as desigualdades e as causas de insustentabilidade. Enfim, transformações que estanquem o pessimismo e a desilusão, que minam a legitimidade das estruturas institucionais de governança e as expectativas de progresso com paz social.
A ciência e os sistemas de conhecimento — insubstituíveis em qualquer processo de transformação da sociedade — precisarão se reinventar para ajudar a humanidade a navegar por essa realidade de tantas assimetrias e não linearidades. Embora se fale muito na neutralidade da ciência, há abundantes evidências de que a insistência no reducionismo e na confortável clausura em silos disciplinares tem limitado sua capacidade de questionar o status quo, o que depende, necessariamente, de conhecimento transdisciplinar e de formulações sistêmicas baseadas na integração de conhecimentos, de múltiplas perspectivas e visões de mundo. A carência de tais atributos tem tornado a ciência e os sistemas de conhecimento presas fáceis para negócios e governos pouco interessados em sustentabilidade.
Tome-se, por exemplo, os problemas comuns aos sistemas alimentar e de saúde pública, que deveriam ser tratados à luz do nexo alimento-nutrição-saúde que, no fim das contas, move todas as demais engrenagens do complexo sistema chamado sociedade. Não é possível pensar em progresso seguro, justo e inclusivo quando se ignora ou se tolera falhas e insuficiências nos sistemas interdependentes de alimentação e saúde. Mas o atual sistema alimentar não permite que as pessoas escolham dietas saudáveis e boa parte dos 8 bilhões de habitantes do planeta carecem de alimentos acessíveis, seguros e nutritivos. E, pior, doenças crônicas relacionadas à dieta causam mais de 11 milhões de mortes prematuras todos os anos.
Tomemos ainda o nexo alimento-energia-clima, também crítico para o bem-estar da humanidade. Há décadas debatemos a urgência de conter a crise climática, que tem impactos diretos sobre os sistemas alimentares e energéticos, ambos dependentes de recursos de um planeta em estresse. Até 18 de novembro, acontece em Sharm El Sheikh, no Egito, a COP27, iniciada no último dia 6, o evento mais importante e o maior já realizado sobre o tema. Líderes e formuladores de políticas serão novamente colocados diante de escolhas difíceis e complexas, há muito conhecidas mas sempre ignoradas por negócios e governos que teimam em não priorizar a sustentabilidade.
O fato é que há uma lacuna crescente entre as soluções oferecidas pelo mundo da política e dos negócios e a complexidade de promover o desenvolvimento sustentável em um mundo que chega a 8 bilhões e caminhará célere para 8,5 bilhões de habitantes em 2030. Sem investimentos persistentes na ciência e em sistemas de conhecimento independentes e multidimensionais, capazes de avançar na integração de saberes que sustentem mudanças transformadoras nas dimensões econômica, social, política e tecnológica, dificilmente a humanidade alcançará acordos que conduzam a um futuro sustentável para todos.