EDSON VISMONA - Advogado e presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP), foi secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo
O combate ao contrabando no Brasil é um desafio complexo, que requer ações institucionais integradas e permanentes. Mais do que isso, é necessária uma constante análise da efetividade das medidas em vigor para que ajustes sejam feitos de forma rápida, a fim de acompanhar a velocidade e a criatividade com a qual os criminosos burlam as leis. A respeito dos cigarros eletrônicos, então, o imbróglio é ainda maior. O que estamos assistindo, neste momento, é uma proibição que não está sendo respeitada.
A Anvisa proíbe, desde 2009, qualquer tipo de venda, importação e propaganda dos chamados dispositivos eletrônicos para fumar. Há cerca de dois meses, o Ministério da Justiça intensificou o cerco ao produto, multando lojas — inclusive varejistas multinacionais — e apreendendo centenas de milhares de unidades dos tais "vapes". Era de esperar que, com medidas como essa, a venda e o consumo fossem refreados, certo? A realidade demonstra que não.
É como se a proibição dos cigarros eletrônicos simplesmente não existisse. Veja um exemplo: dias atrás, em horário nobre na TV aberta, uma participante de um reality show consumiu e distribuiu a colegas do programa alguns exemplares do cigarro eletrônico cuja marca é de sua propriedade — reitere-se, de um produto proibido. Sem qualquer constrangimento, ela ainda admitiu tratar-se de uma ação para promover o seu produto. Além disso, veículos de imprensa repercutiram essa publicidade de cigarros eletrônicos como se houvesse autorização legal para ações dessa natureza.
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Outro exemplo: basta dar um Google para se deparar com uma enxurrada de lojas virtuais vendendo vapes e acessórios livremente. Ou, então, circular pelos bares da cidade para encontrar uma grande quantidade de ambulantes oferecendo os mais variados tipos de cigarros eletrônicos a qualquer pessoa, sem qualquer controle sanitário, despreocupados com a fiscalização ou as possíveis consequências. E, o mais grave, sem nenhum mecanismo de combate à venda para menores de idade.
À revelia da determinação da Anvisa, o mercado 100% ilegal dos cigarros eletrônicos só cresce: pesquisa do Ipec Inteligência para o ano de 2021 mostra que mais de 2 milhões de brasileiros usam vapes e o número vem dobrando a cada ano. Todos esses consumidores, muitos adolescentes, estão "vapeando" cigarros eletrônicos contrabandeados e têm acesso a produtos que não obedecem a nenhuma regra — eles literalmente não sabem que estão vaporando: um cigarro eletrônico ilegal, sem qualquer qualidade. Hoje, o consumidor brasileiro não tem opção, não sabe o que está consumindo — o que é muito grave, pois a composição do produto pode ser manipulada, causando sérias consequências.
Uma regulamentação por parte da Anvisa seria fundamental para garantir a procedência dos cigarros eletrônicos, impondo regras de produção, controle sanitário e composição química à indústria formal, enfraquecendo o contrabando. Além disso, o regramento traria mecanismos mais eficazes para coibir a venda aos menores de idade, fiscalizando e cobrando quem produz esses dispositivos, dentro dos regulamentos técnicos. Por fim, o país poderia, ainda, garantir um retorno de arrecadação. O diretor-presidente da Anvisa, Dr. Barra Torres, citou em uma entrevista recente a sua intenção de reavaliar a situação dos cigarros eletrônicos no Brasil, movimento fundamental para coibir a grave ilegalidade que dominou esse crescente consumo no país.
Os criminosos continuarão lucrando muito caso a proibição continue. Isso sem falar do que vem a reboque com o contrabando: violência, tráfico de drogas e armas, furtos e roubos, lavagem de dinheiro, disputas por poder. Há quem tenha interesse que as coisas continuem dessa forma. Tem muita gente satisfeita com a proibição, que estimula ganhos expressivos.
O fato é que proibir não resolveu. É preciso aprimorar as soluções. É possível avaliar a experiência de dezenas de países que já regularam os cigarros eletrônicos. Muitos deles, assim como o Brasil, também são duros no controle do tabagismo, mas entenderam que a proibição não impede o consumo e faz algo ainda pior: afasta do jogo quem cumpre as regras e deixa o tabuleiro livre para o contrabando atuar, agravando as consequências para os consumidores.