Apesar de os crimes de racismo e injúria racial contra pretos e pardos fazerem parte do cotidiano, dedica-se novembro — mês da Consciência Negra — a debates mais profundos sobre as desigualdades dominantes no país, que afetam bem mais gravemente os afrodescendentes. Em 2003, foi editada a Lei 10.639, que dispõe como obrigatório ensino da história da África e cultura afro-brasileira. Um dos objetivos foi o de desmontar as bases dos preconceitos e discriminações que vitimizam a população negra e reforçam o racismo estrutural.
Logo que foi editada, a norma legal foi rechaçada por grupos fundamentalistas. Com base em estereótipos, esse segmento associava a lei, exclusivamente, à afrorreligiosidade, satanizada por ele. Ainda hoje, existem unidades de ensino que ignoram a lei, cuja aplicação ainda não é universal no país. Essa resistência soma para perenizar o racismo e impede que crianças, jovens e adultos conheçam a verdadeira história do povo negro e a enorme contribuição nas áreas social, econômica e política desde a colonização do Brasil.
A falta de fiscalização facilita o descumprimento da lei. Permite que o ensino passe ao largo da crueldade praticada pelos colonialistas, traficantes de humanos e torturadores de negros. Na prática, essa escolha ilegal reforça a falsa ideia de que os africanos "vieram" para o Brasil. Não compraram passagem para conhecer a terra descoberta por Cabral. Foram sequestrados em seus países de origem e tornados escravos pelos colonizadores. Tornaram-se vítimas de um crime de lesa-humanidade, e não conquistaram a reparação adequada. Pelo contrário. Foram empurrados para as periferias dos espaços urbanos, condenados à ignorância, excluídos do acesso à educação de qualidade e às políticas públicas. Enfim, marginalizados e classificados como escória da sociedade.
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O único gesto de reparação ocorreu em 2012, com a edição da Lei das Cotas Raciais, inspirada por iniciativas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e, em seguida, da Universidade de Brasília (UnB), que instituíram o regime de cotas antes da lei existir, cuja vigência expira neste ano.
No Congresso Nacional, há parlamentares contrários à prorrogação do marco legal das cotas raciais, voltado ao acesso de pretos e pardos ao ensino superior. Eles têm uma equivocada compreensão de que as cotas fortalecem o racismo. Pelo contrário, a norma, bem como a Lei 10.639, é apenas uma tímida reparação aos danos causados aos afrodescendentes. Muitos negros não reconhecem seus antepassados nem ancestralidade, devido à uma educação centrada na visão eurocêntrica, desde os primeiros anos de escolaridade.
O momento político se coloca favorável à virada da chave. Hoje, grandes empresas do país reconhecem que ter um quadro de profissionais que expressa a pluralidade étnica-racial é bom para os negócios. O futuro governo anuncia que a educação é uma de suas maiores prioridades, ao lado da saúde e das questões sociais. Portanto, impõe-se como importante traçar um projeto de reeducação que privilegie a aplicação da legislação que lança luz sobre a história africana no Brasil, sem prejuízo às demais disciplinas, a fim de dar um basta ao racismo que tanto mal faz a uma sociedade plural e diversa como a brasileira.