Novembro é o mês da Consciência Negra, mas, em vez dos avanços que se espera de uma sociedade civilizada e plural, o Brasil assiste, estarrecido, a uma onda de racismo inaceitável. São cada vez mais frequentes as queixas da população preta sobre todo tipo de agressão, muitas delas violentas, envolvendo, sobretudo, jovens. Há quem atribua o aumento dos registros de ataques racistas à maior disposição das vítimas em torná-los públicos. Esse discurso é entoado, especialmente, pelo poder público. A realidade, porém, é que muitos brasileiros perderam a vergonha de mostrar o que são, preconceituosos e violentos.
Ao longo do tempo, criou-se a versão de que, no Brasil, que foi o país mais escravagista do mundo, não havia racismo. Que os negros foram, ao longo do tempo, inseridos na sociedade. Nada mais falso. Basta analisar a estrutura da população brasileira para ver o quanto os pretos foram excluídos das benesses proporcionadas aos brancos, seja nas áreas da saúde e da educação, seja no mercado de trabalho. Os negros são maioria nas favelas brasileiras, habitam as regiões mais carentes de serviços públicos, são as principais vítimas da violência, ganham muito menos que os trabalhadores brancos, mesmo ocupando os mesmos cargos.
A situação é ainda mais dramática quando se olha para as mulheres negras. Elas estão no topo daqueles que vivem na extrema pobreza, têm os menores índices de educação, lideram as taxas de desemprego, estão alijadas da ascensão social em uma sociedade que finge ser progressista, mas, na verdade, continua elitizada e excludente. De nada adianta entoar um discurso contra o racismo se, no dia a dia, as práticas endossam o preconceito, mesmo que disfarçado ou dissimulado. Um olhar pode dizer mais do que muitas palavras. Negar isso é continuar alimentando esse crime terrível.
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No Distrito Federal, o número de denúncias de injúria racial aumentou 8,8% nos primeiros nove meses deste ano, ante o mesmo período de 2021. Em Minas Gerais, o quadro não é diferente, assim como no restante do país. A intolerância é tamanha, que nem as religiões de matriz africana são mais respeitadas. Locais onde são praticadas têm sido alvos constantes de depredação. Normalizar esse movimento baseado no ódio é enterrar qualquer possibilidade de se um dia chegar a uma sociedade em que todos tenham os mesmos direitos, independentemente da cor, da origem, do credo, da posição política.
Não há ilusão, infelizmente, de reversão desse quadro dramático tão cedo. É preciso que as autoridades não apenas deem o exemplo, como façam com que as leis sejam cumpridas. Injúria racial é crime, e deve ser punida com rigor. Muitas das vítimas de racismo, quando questionadas, atribuem o aumento dos ataques à impunidade. Os intolerantes se sentem fortalecidos baseados na confiança de que, no máximo, pagarão uma multa e continuarão a cometer os mesmos crimes. Ou se reverte isso, principalmente por meio da educação e de uma legislação mais eficiente, ou a guerra contra o preconceito fracassará.
O Brasil é um país miscigenado, de uma riqueza cultural impressionante. É inaceitável que todo esse patrimônio seja destruído porque aqueles que não respeitam as diferenças e ainda acreditam na tal supremacia branca. Que os ventos do bom senso que começam a soprar na política possam resultar em uma sociedade mais pacífica, tolerante, integrada, com oportunidade para todos. Exceções fazem parte do jogo democrático, mas que elas sejam cada vez menores. Todos têm muito a ganhar com um país mais justo e mais inclusivo, em que as vozes de negros, indígenas, mulheres, gays, pessoas com deficiência sejam ouvidas e levadas a sério. Esse Brasil é possível. Depende de todos nós.