Barreiras

Artigo: Linguajar barreirense

Meses atrás, logo depois de enviar Minha Trilha Sonora - 40 Anos de Jornalismo Cultural para Neli Gualberto, ex-colega no Ginásio Padre Vieira, em Barreiras (BA), liguei para ela querendo saber o que havia achado do livro. Ao mostrar que se mantém franca e espontânea, respondeu: "Você sempre foi incutido". Explico: no linguajar barreirense, "incutido" é uma pessoa que gosta de se mostrar. O que a levou a isso, creio, foi o fato de, a maioria dos 60 textos publicados trazer como ilustração fotos que fiz com os artistas focalizados - e de Roberto Carlos a Clementina de Jesus.

Incutido é um dos verbetes, pesquisados e reunidos no Dicionário de Barreirês pela saudosa e querida prima Lelia Rocha, lançado em 1996, ao qual voltei recentemente. Então, movido pela emoção, decidi trazer para esta página algo sobre os vocábulos adotados pelos moradores da cidade que é tida como "capital" da região Oeste da Bahia. Estão todos lá - de A a Z. Cito alguns deles: ajoujo (embarcação feita com tambores ou canos para atravessar rios); destá (deixe estar), jogo de bila (jogo de bola de gude), lutrido (ousado), misse (grampo de cabelo), renca (um monte de gente), suru (pipa em forma de losango), tubi (vagina).

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Nada, porém, é tão característico e representativo de Barreiras do que Nazaro. Trata-se do nome de uma manifestação folclórica, que só ocorre ali, na noite da quarta-feira de cinzas, como explica a pesquisadora e professora Ignez Pitta de Almeida, em artigo publicado na última página do livrinho: "Barreiras tem algumas peculiaridades que são suas, geradas aqui, absolutamente originais. O Nazaro é uma delas. Trata-se de uma brincadeira, um costume folclórico, cujas origens, até mesmo o nome, estão perdidos na distância do tempo, mas sua prática acha-se cada vez mais viva".

Ignez acrescenta: "A capa deste dicionário mostra um aspecto do nazaro, que consiste na simulação de um solene cortejo, um típico enterro da roça, em que um pau, dentro de uma rede cheia de folhas, representa o defunto, cercado de pessoas envolvidas em lençóis brancos. Vão tocando chocalhos, berrantes, latas e pratos de banda e, com grande alarido, cantam em coro: "Nazaro morreu/ De que?/ Feijão podre que comeu". Ao mesmo tempo conduzem farinha de trigo, talco, pó de serragem, que jogam em quem conseguem alcançar".

O Nazaro é tão popular entre os barreirenses que levou Antônio Cunha a compor a Música do Nazaro. No primeiro verso ele diz: "Hoje é dia de Nazaro/ Eu vou pra casa mais cedo/ Brincar de ficar com medo/ De ficar com medo/ De ficar com medo". O segundo verso traz o relato da brincadeira: "Quando o bumbo tocar/ O chocalho zuar/ E o prato bater/ Marque qualquer direção/ E comece a correr/ Que a turma vem fantasiada/ De alma penada em noite de breu/ Dizendo Nazaro morreu/ Do peido que deu/ Do feijão que comeu/ Comeu feijão podre e desapareceu".