Opinião

Visão do Correio: Ecos e alertasda pandemia

Enquanto países da União Europeia assistem a um crescimento das médias móveis de casos de covid-19 e a Organização Mundial da Saúde reluta em decretar o fim da emergência sanitária global, diante da discrepância das taxas de vacinação entre as populações no planeta, o estudo da Fiocruz surge como um alerta mais que oportuno. Mesmo porque reaparecem sinais de alerta também no Brasil

Ao mesmo tempo em que se torna cada vez mais comum se referir à pandemia de covid-19 no Brasil com verbos no passado — apesar de a média móvel de novos casos no país ainda variar na casa do milhar e a de mortes, entre dezenas e centenas — estudos sobre os estragos provocados pela doença em território nacional ainda são capazes de revelar dados negativamente surpreendentes. Foi o que demonstrou trabalho de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz da Amazônia, ao avaliar o excesso de mortes maternas entre a população brasileira durante os primeiros 15 meses da crise sanitária global.

Segundo o levantamento liderado pela Fiocruz Amazônia com participação de pesquisadores ligados a universidades brasileiras, da Colômbia e dos Estados Unidos, houve aumento preocupante nas mortes maternas no país durante a crise sanitária global. O avanço da mortalidade entre esse grupo ocorreu principalmente na fase mais crítica da segunda onda da covid-19, entre março e maio de 2021, mas, ao longo dos cinco trimestres consecutivos em análise, a partir de março de 2020, foram detectados 70% mais óbitos nessa faixa da população do que o esperado em condições de normalidade.

No total, apontam os pesquisadores, houve 3.291 óbitos maternos no país durante o intervalo avaliado, dos quais 1.353 superaram o volume previsto. É mais um recorte assustador da pior crise epidemiológica que se abateu sobre o país na história recente, e cujo enfrentamento polêmico, sobretudo em nível federal, voltou a ser tema de debate na reta final da recente campanha pela Presidência da República.

"Sabe-se que os impactos diretos da epidemia sobre a mortalidade por covid-19 resultaram em mais de 687 mil mortes conhecidas no Brasil, colocando o país, definitivamente, na segunda posição mundial em número de mortos pela doença. (…) A desinformação relativa ao uso de medicamentos clinicamente ineficazes para prevenir/tratar covid-19 ou mesmo o rechaço de evidências científicas favoráveis ao uso de máscaras, distanciamento social e até mesmo sobre a eficácia e segurança das vacinas, dificultaram implementação de medidas de saúde pública para mitigar os efeitos da epidemia", destaca o epidemiologista Jesem Orellana, do Instituto Leônidas & Maria Deane/Fiocruz Amazônia, um dos autores do estudo.

O trabalho dos pesquisadores sugere que o atraso na inclusão de gestantes e mulheres no pós-parto entre os grupos prioritários para vacinação, em meados de maio de 2021, assim como a posterior suspensão da imunização para aquelas sem doenças associadas teria contribuído para elevar a taxa de óbitos maternos evitáveis no país. Da mesma forma, o quadro pode ter sofrido influência da lenta vacinação da população em geral contra o coronavírus durante a acelerada disseminação da variante Gamma no Brasil, apontam os cientistas responsáveis pela análise.

Enquanto países da União Europeia assistem a um crescimento das médias móveis de casos de covid-19 e a Organização Mundial da Saúde reluta em decretar o fim da emergência sanitária global, diante da discrepância das taxas de vacinação entre as populações no planeta, o estudo da Fiocruz surge como um alerta mais que oportuno. Mesmo porque reaparecem sinais de alerta também no Brasil.

O país não pode se esquecer, subestimar ou relegar a um debate político-ideológico os erros que o fizeram registrar mais de 10% do total mundial de óbitos durante a pandemia, ficando atrás em números absolutos apenas dos Estados Unidos nesse quesito. Ignorar os equívocos e as negações — e seus resultados, que vão se tornando cada vez mais evidentes com estudos como o da mortalidade materna — é a melhor receita para repeti-los.