Logo que acabaram as eleições e alguns bolsonaristas iniciaram uma série de protestos contestando o resultado das urnas, as minhas redes sociais começaram a ser bombardeadas com memes debochando dos manifestantes. O brasileiro tem essa capacidade — e rapidez — de rir de tudo e de todos, mesmo em momentos sérios e adversos.
Claro que me diverti com algumas piadas. Mas também me indignei com algumas cenas, como a do grupo de catarinenses cantando o Hino Nacional com os braços estendidos, gesto parecido com saudação nazista. Apuração preliminar do Ministério Público diz que não houve intenção de apologia, mas as investigações continuam. E me preocupei com outras.
Apesar de ser, de longe, o meme mais replicado na internet, o "caminhoneiro patriota" pôs em risco a própria vida ao circular por quilômetros pendurado em um caminhão — bastava um desequilíbrio para o final da história ter sido trágico. Em outra cena extrema, um bolsonarista toca fogo no próprio carro, seu único patrimônio.
Ficar triste porque o candidato de sua preferência perdeu é normal, faz parte do processo democrático. Mas como justificar atitudes extremadas como essas? Tem quem diga que se trata de uma loucura coletiva. Muitos memes passaram a circular, entre pessoas do campo progressista, afirmando que o Brasil não precisa de intervenção militar, mas, sim, psiquiátrica.
Tal afirmação foi veementemente combatida pelo Movimento Nacional de Luta Antimanicomial. Em nota de repúdio publicada em sua página no Instagram, diz que tal afirmação só reforça "o pensamento de que a loucura é falta de caráter". "'Ah, mas é só um meme…' Será mesmo? Historicamente, grupos oprimidos são vítimas de piadas que reforçam o lugar de opressão na qual o sujeito é colocado, por isso é importante refletir sobre como a sua piada afeta a vida de milhares de pessoas que estão em sofrimento psiquiátrico", conclui a nota.
Longe de mim afirmar que os manifestantes são loucos — não tenho nem embasamento técnico para isso — ou maus-caracteres. Mas, para além dos memes, precisamos nos lembrar que não existem dois Brasis, como bem falou o presidente eleito, Lula, em seu discurso após a vitória.
Para alguns, essa negação sobre o resultado das urnas — que levou alguns bolsonaristas a celebrarem a falsa prisão do ministro Alexandre de Moraes e a terem a certeza de que 72 horas após a eleição as Forças Armadas, por meio de um golpe, manteriam Bolsonaro no poder — trata-se de uma dissonância cognitiva coletiva. A hipótese foi descrita por João Cezar de Castro Rocha, professor titular de literatura comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em entrevista ao Estado de Minas. "Todos esses episódios são a demonstração concreta de que essas pessoas não estão em erro. Mas recordando a distinção de Freud, estão em ilusão, pois a ilusão é sempre a projeção do próprio desejo", acredita o ensaísta.
Passada uma semana das eleições, precisamos de menos memes e mais choque de realidade. Temos que olhar para a frente, pensar em como tirar milhões de brasileiros da miséria, em levar educação e saúde de qualidade para a população e tantas outras medidas que se fazem urgentes. Vida que segue!