JOSÉ SARNEY FILHO — Foi deputado por 10 mandatos, duas vezes ministro do Meio Ambiente e é o atual secretário de Estado do Meio Ambiente do Distrito Federal
Participei este ano, representando o governador Ibaneis Rocha, da COP27, a Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 2022, que ocorreu em Sharm El Sheikh, no Egito, entre 6 e 18 de novembro. Mostramos, no evento, que o Distrito Federal segue firme, coerente e com muito a apresentar em sua trajetória rumo à capacidade de neutralizar suas emissões.
As negociações entre os países resultaram em decisões importantes, sendo a mais relevante a criação do Fundo de Perdas e Danos, mecanismo financeiro de compensação para países pobres, aqueles que mais sofrem com as mudanças climáticas, em especial as pequenas ilhas, que correm o risco até mesmo de desaparecer. O detalhamento da medida será feito em eventos futuros, mas já há que comemorar o posicionamento da questão social na ordem das prioridades para a justiça climática.
Também vale destacar a inclusão da pauta florestal no Plano de Implementação de Sharm El-Sheikh, bem como a referência inédita às soluções baseadas na natureza e à correlação entre biodiversidade, clima, água e segurança alimentar.
Por seu lado, a aspiração estabelecida no Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura média global em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais torna-se cada vez mais remota, pois o abandono progressivo dos combustíveis fósseis, condição essencial para a redução de emissões de CO2, não foi incluído no plano, um retrocesso em relação à COP26.
Além disso, ainda não houve solução quanto ao fundo de US$ 100 bilhões que deveria ser alimentado anualmente pelos países industrializados, embora o presidente Biden o tenha apoiado. O objetivo do fundo é financiar as ações de cortes nas emissões e de adaptação às mudanças climáticas nas nações em desenvolvimento.
Em que pese o resultado bastante modesto do documento final do encontro, a participação do presidente Lula, enfático na assertividade com que defendeu o retorno do Brasil como protagonista para um caminho virtuoso na luta contra o aquecimento global e adaptação a seus efeitos, representou uma lufada de esperança para a comunidade internacional.
Foi especialmente significativa a proposta do presidente eleito — que, por óbvio, precisará ser formalizada — para que a amazônia brasileira sedie a Conferência do Clima de 2030. Durante meu pronunciamento na Plenária da COP23 (que ocorreu em Bonn, na Alemanha, sob a presidência de Fiji), como ministro do Meio Ambiente e chefe da delegação nacional, defendi que a edição de 2019, que caberia à região da América Latina e do Caribe, fosse realizada em nosso país. Lamentavelmente, o negacionismo climático do atual governo federal enterrou a possibilidade.
Acredito que os benefícios para a agenda climática do Brasil serão muitos, indo desde a convergência dos diversos setores da sociedade para soluções mais sustentáveis de desenvolvimento, até a abertura de uma variada gama de possibilidades de financiamento para iniciativas nacionais, regionais e locais, passando pela pressão por avanços legislativos de proteção dos nossos biomas, seus recursos naturais e serviços ecossistêmicos.
Brasília está muito bem posicionada nesse contexto, pois tem expertise na gestão de projetos de cooperação com financiamento internacional. O principal exemplo é o Projeto CITinova, que trabalha com recursos do GEF — Global Environment Facility, em parceria com o Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente e o Ministério do Meio Ambiente, e tem por objetivo desenvolver soluções tecnológicas inovadoras e oferecer metodologias e ferramentas de planejamento urbano integrado para apoiar gestores públicos, incentivar a participação social e promover cidades mais justas e sustentáveis.
A inovação tecnológica está se consolidando como base da atuação do governo distrital, voltada para a integração das políticas socioambientais. Apresentamos nossas ações na Conferência do Clima, em eventos com a sociedade civil e com parceiros, como o do Centro Brasil no Clima, o da Coalizão de Governadores pelo Clima, sobre o Consórcio Brasil Verde, do qual fazemos parte, e o Painel Cidades Verdes Latino-americanas.
Em 2022, além da formalização da Contribuição Distritalmente Determinada como instrumento normativo, lançamos o Plano Carbono Neutro e assinamos um memorando de entendimento com a organização Under2, aliança climática que reúne mais de 260 estados, regiões e províncias em todo o mundo, representando cerca de 1,75 bilhão de pessoas e 50% da economia global. Tive a oportunidade de me reunir, na COP, com a dirigente da diplomacia do grupo.
Coroando as notícias alvissareiras para o combate à mudança do clima em Brasília, temos a perspectiva da abertura de portas ao DF para a captação de pagamentos por Redd , mecanismo financeiro baseado na Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal, incluindo conservação e aumento dos estoques de Carbono.
Até este ano, no Brasil, o mecanismo só estava disponível para a Amazônia. Em agosto, a Comissão Nacional para Redd (Conaredd ) aprovou duas resoluções, estabelecendo a distribuição de limites de captação relativa ao bioma cerrado para estados e as regras de elegibilidade para o acesso aos recursos.
Apresentamos, de imediato, pleito de elegibilidade à Comissão, e fizemos, na Conferência do Egito, tratativas preliminares com as delegações da Noruega e da Alemanha, países que historicamente provêm os recursos. Se aprovado, o Distrito Federal será a primeira e única unidade da Federação 100% inserida no cerrado elegível a captar recursos financeiros baseados em pagamentos por resultados de Redd do bioma, com um potencial de captação de mais de 20 milhões de dólares.
É preciso encarar que o trabalho que temos pela frente — e não falo apenas do DF e do Brasil, mas de todo o planeta — será árduo e cheio de sacrifícios. Mas os sacrifícios são pequenos diante dos ganhos que estarão ao nosso alcance com a opção pela centralidade da questão climática, ganhos inerentes a sociedades mais justas e saudáveis.
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