CRISTOVAM BUARQUE — Professor emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação
Na COP15, em Copenhague, o presidente Obama disse que "não há presidente do mundo". Mostrava a dificuldade para cuidar do problema planetário das mudanças climáticas, usando políticos comprometidos com suas respectivas nações para atender desejos imediatos e individuais de seus eleitores.
As revoluções científica, tecnológica e geopolítica integraram os países e suas populações e criaram problemas que se tornaram planetários e de longo prazo, mas a política continua restrita a cada país e ao prazo da próxima eleição.
Não há presidente do mundo, nem diplomata planetário. Os diálogos entre nações continuam sem visão do conjunto dos seres humanos e seu futuro comum. Os grandes novos problemas são planetários, mas a solução para cada um deles requer decisões que se chocam com os propósitos e prazos dos eleitores nacionais.
Mudanças climáticas exigem sacrifícios nacionais no consumo presente; a pobreza requer decisões, programas e financiamentos mundiais, que se chocam com a riqueza de cada país; migrações em massa ferem interesses nacionais em países ricos; os crimes e tráficos são organizados internacionalmente, mas combatidos nacionalmente.
O mundo deixou de ser a soma de países, para cada país se transformar em parte do mundo, mas a política continua feita nacionalmente, com reuniões do tipo COP, onde as nações se reúnem conforme os interesses de cada uma, representadas por diplomatas treinados para defenderem seus países. Fracassam porque reúnem presidentes dos países, eleitos por seus eleitores nacionais olhando para a próxima eleição, não por líderes mundiais comprometidos com o futuro de longo prazo da humanidade.
Obama alertou que o mundo precisa de soluções globais, mas a política e os políticos estão presos aos desejos de seus respectivos eleitores. A Terra e a humanidade não são mais conceitos apenas de geógrafos e filósofos, mas ainda não são objetos das decisões de políticos.
O discurso do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na COP27 apresenta a esperança de um estadismo pensando na humanidade. Ele despontou como um político diferente dos populistas nacionalistas que se interessam apenas por seus respectivos países e foi além daqueles que têm o sentimento do mundo, mas continuam presos às fronteiras nacionais e ao horizonte temporal da próxima eleição. Desponta como candidato a líder global por seu carisma e seu sentimento humanista, mas sobretudo por ser presidente de um país síntese: o Brasil é o melhor retrato do planeta e da humanidade.
Os outros países são mais ricos ou mais pobres, nossa renda per capita é equivalente à do conjunto dos países, nossa concentração de renda é tão grave quanto a concentração em escala mundial, e temos uma massa crítica capaz de pensar e influir no mundo e seu futuro.
Os eleitores e presidentes de pequenas ilhas que desaparecerão por causa das mudanças climáticas têm a percepção dos riscos da humanidade inteira para o futuro, mas seus presidentes não têm a representatividade do nosso país: florestas, população, território, economia, riqueza e pobreza.
Com sua agenda em Sharm El-Sheikh, Lula mostrou que as relações internacionais precisam ser complementadas por paradiplomacia nem governamental, nem nacional representando temas e grupos, como os povos originários, os pobres, as crianças e as gerações futuras.
A biografia de Lula, a história e geografia do Brasil permitem que desponte como candidato a estadista planetário. Para de fato assumir essa posição, é preciso entender que no mundo contemporâneo cada país é parte do mundo, diferentemente da visão tradicional de que o mundo é a soma de países.
Formular doutrina de paz não apenas entre países no planeta, mas dos países com o planeta, não apenas em benefício da geração atual, mas em benefício também das gerações futuras. Precisa ter propostas para os problemas do mundo, executá-los com sucesso dentro do Brasil e dispor de plataformas em organismos e fóruns internacionais que permitam divulgá-las no mundo.
Obama teve razão quando disse que não há presidente do mundo, teve razão também quando em outro momento disse: "Este é o cara!". Falta Lula e nós brasileiros provarmos que o cara é um estadista planetário capaz de enfrentar nacionalmente os grandes problemas da humanidade e levar soluções brasileiras para o planeta.
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