Análise

Artigo: A civilização ocidental

A doutrina cristã, originalmente avessa ao oficialismo, ao ser incorporada pelo Império Romano, disseminou-a pelo mundo ocidental, com os papas do medievo e seus poderes materiais (dos pontífices romanos). Mas o que se postula é uma espiritualidade superior à dessa civilização, que é intolerante além de basear-se no mito do pecado original

Correio Braziliense
postado em 27/11/2022 00:01 / atualizado em 27/11/2022 11:42
 (crédito: Maurenilson Freire)
(crédito: Maurenilson Freire)

Sacha Calmon - Advogado

Após Roma, o ocidente se tornou cristão. Essa civilização opõe à criação do homem já adulto e sexuado, sem pai — a não ser Deus, nem mãe — esta feita da costela do homem, à ideia totalmente diferente, ou seja, o processo de evolução das espécies. Essa última é uma lição científica. O criacionismo é ideação religiosa. O inglês Darwin é o pai da evolução das espécies.

O narrador principal é o jesuíta Teilhard de Chardin, o que é surpreendente. Logo depois Morgan, antropólogo americano, mostra a evolução da espécie humana. São 70 mil anos de selvageria, 20 mil anos de barbárie e 10 mil anos de civilização, que coincide com o pastoreio, o sedentarismo e a agricultura às margens das bacias dos grandes rios (Amarelo na China, o Indo na Índia, Mesopotâmia Tigre e Eufrates e Nilo no Egito).

É uma história diversa da contada pela Bíblia, com Gêneses, Noé, os patriarcas e o êxodo. Para a tradição judaica desde Adão até hoje se passaram 5.800 anos, se tanto. Na pré-história da Torá. Abrão tinha mas não podia ter camelos, introduzidos na região 900 anos antes de Cristo. Testes a carbono de ossos de camelo provam a assertiva. Dois autores judeus alegam que a Torá foi escrita por Josias em 640 a.lC. Nunca houve Israel no Egito e nem aconteceu o êxodo. A arqueologia prova que Jericó nunca teve muralhas. São Israel Finkelstein e Neil Silberman os autores que agora são referidos. Em verdade seca secular levou os povos da Palestina até o leste do delta do Nilo!

O interesse de Josias no Deuteronômio era criar uma mística para enfrentar o faraó Necau e a Babilônia. Não teve êxito e desde então Javé deixou de operar milagres. É curioso notar que depois do mito da fuga do Egito e das conquistas de Josué, o povo de Javé não venceu nenhuma guerra, até o século 20.

Perderam para egípcios, assírios, babilônios, persas, gregos, romanos, bizantinos, árabes, islâmicos, turcos otomanos, até a recriação pelo ONU de Israel, quando deixou de ser protetorado britânico para tornar-se Estado soberano. Como se explica um Deus tão poderoso e milagroso e depois tão sossegado no curso histórico? Cristo é uma outra tradição. Foi condenado por Caifás e Pilatos, por Roma, lavou as mãos!

Em seguida com esforço em Jack Miles, Morgan, Cohn, Paul Jonhson, Karen Armstrong, Ferdinand Lot e Ernest Renan, se entremostra a total incompatibilidade entre Javé e Jesus. O "link" foi uma fatalidade histórica porque até 150 d.c, todos os discípulos eram judeus. Sem nada ter escrito, Jesus foi ligado ao velho testamento por dois elos frágeis: as canções do servo de Isaias 2 e as compilações apocalípticas de Daniel, que são desesperadas, ao estilo do judaísmo do segundo templo e das guerras macabéias (messianismo).

A doutrina cristã, originalmente avessa ao oficialismo, ao ser incorporada pelo Império Romano, disseminou-a pelo mundo ocidental, com os papas do medievo e seus poderes materiais (dos pontífices romanos). Mas o que se postula é uma espiritualidade superior à dessa civilização, que é intolerante além de basear-se no mito do pecado original.

As religiões semíticas (judaísmo, cristianismo e islamismo) são antropomórficas. Com autoridades iguais a dos homens os deuses são legisladores, administram a lei e julgam a humanidade, seguindo-se o céu ou o inferno para todo o sempre (teogonia agoniada). É um reles final jurídico e aterrorizante para os fiéis, em tudo contrário a espiritualidade evoluída, menos agressiva e repressiva, como reconhecida por Freud e Marcuse em o Mal-estar da civilização e Eros e civilização.

Em suma as Religiões são técnicas de controle social que falam em virtudes e dominam pela inflição de ameaças, penas e castigos, tal e qual o direito, universal no planeta Terra. Por toda a parte a lei organiza, reprime e conforta as sociedades humanas (máquinas sociais).

Os sistemas normativos (direito, moral e religião) produzem pautas com valores e crenças positivas e negativas para conduzir as sociedades humanas. Eric From desenvolveu com mestria, doutor que era de psicologia social, essa ligação evidente, mas pouco percebida entre repressão e civilização. Civilizar e reprimir e já começa na primeira infância. Aqui a contribuição de Freud.

Isso não quer dizer que o senso crítico desaparece. Ele aqui está a dizer que a mística e religiosidade não são somente repressivas e instrumentais. Nisso reside o grande clarão que os místicos perceberam, procurando o ID encoberto e reprimido. Eis o Buda, São João da Cruz, Mestre Echakt entre outros, incluídos os sufis islâmicos, fora dos padrões oficiais.

A invenção do monotheo não é apenas judaica, mas intuição do taoísmo do xintoísmo e do budismo. São catarses metafisicas sob a capa da "iluminação" ou "oração" ou simplesmente "fé". Mas se Deus é amor incondicional e superior estamos todos salvos.

 

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