Análise

Artigo: No Planalto, de olho no planeta

Nossos mandatos de deputadas federais serão cumpridos no Planalto, mas de olho no planeta. Essa é a principal missão da Bancada do Cocar

Correio Braziliense
postado em 27/11/2022 00:01 / atualizado em 27/11/2022 11:48
 (crédito: Reprodução/INSTAGRAM/PSOL)
(crédito: Reprodução/INSTAGRAM/PSOL)

CÉLIA XAKRIABÁ - Doutora em antropologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é deputada federal eleita

SÔNIA GUAJAJARA - Deputada federal eleita, foi coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)

 

Os xakriabá são originários do cerrado mineiro; os guajajara brotaram da Amazônia maranhense. Viemos de lugares distantes um do outro, somos brasileiras de povos diferentes, mas sabemos que pertencemos à mesma raça, a humana. Também temos a noção de que o Brasil faz parte de algo muito maior: daquela que nos acolhe e de quem devemos cuidar, a Mãe Terra. Por isso, nossos mandatos de deputadas federais serão cumpridos no Planalto, mas de olho no planeta. Essa é a principal missão da Bancada do Cocar. Queremos ajudar a botar a boiada de Bolsonaro de volta para o curral.

Na ditadura, todo cidadão brasileiro sentiu na pele o que é ser tutelado (sic) pelo Estado. Para nós, doeu bem mais: enquanto a Comissão Nacional da Verdade afirma que 434 civis foram assassinados pelos militares, entre nós foram pelo menos 8.350 entre 1946 e 1988, sendo que antes de 1964 essas mortes foram causadas mais por omissão do Estado e a partir daquele ano, por ação direta. Antes do golpe, a Amazônia permanecia praticamente intocada; a partir dele, a devastação cresceu em níveis aterradores.

Embora nos mantivéssemos a uma distância segura da política institucional e seus vícios — à exceção da brilhante atuação do Cacique Xavante Mario Juruna na Câmara Federal, entre 1981 e 1985 — a redemocratização fertilizou o solo do movimento indígena. Ainda em 1987, a Terra Indígena Xakriabá, que fica no município de São João das Missões (MG), foi homologada. O preço que pagamos foi alto: os conflitos com invasores se arrastavam há anos, mas em 12 de fevereiro daquele ano, 15 grileiros invadiram a aldeia Sapé e assassinaram as lideranças Rosalino Gomes de Oliveira, Manuel Fiúza da Silva e José Pereira Santana enquanto dormiam.

Com o início dos trabalhos da Assembleia Constituinte, a geração que nos precedeu foi à luta para que nossos direitos fossem garantidos definitivamente. Entre os principais nomes dessa mobilização estava o Cacique Aritana Yawalapiti, levado pela covid-19 em 5 de agosto de 2020, devido à brutalidade de mais um governo autoritário — não só em relação aos indígenas, mas também com a população brasileira em geral, como ocorrera no século passado. A Constituição de 1988 não garantiu apenas nosso direito às nossas terras e o de preservarmos nossos costumes, como nos concedeu cidadania plena.

O prazo estabelecido para que todas as terras indígenas fossem homologadas era de cinco anos, em seu curto mandato o presidente Collor homologou 121. Foi um início animador, mas logo percebemos que nem mesmo o que está escrito em nossa lei máxima vale. As demarcações seguiram em câmera lenta e as invasões se intensificaram. Decidimos, então, nos organizar para valer. A despeito de sermos 305 povos e falarmos 274 línguas diferentes, temos muitas demandas em comum.

Em 2004, montamos em Brasília, pela primeira vez, o Acampamento Terra Livre (ATL) e no mesmo ano foi criada a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que reúne associações de todas as regiões brasileiras. Ainda assim, em 2016, mais da metade da Terra Indígena Arariboia, lar da maioria dos guajajara, foi consumida por um incêndio criminoso, entre vários outros crimes.

Com a chegada ao poder de um presidente abertamente hostil às nossas causas e apenas uma representante no Congresso — Joênia Wapichana, a primeira deputada federal indígena da história e que valia por uma aldeia inteira, é verdade —, percebemos que era a hora de aldearmos a política institucional definitivamente. Não é de hoje que o mundo inteiro reconhece nossa importância para a preservação da natureza, o combate às mudanças climáticas e, consequentemente, a própria sobrevivência da humanidade. Somos vozes cada vez mais ativas nas Conferências do Clima, como a COP27, da qual participamos.

Bolsonaro é reconhecido pela comunidade internacional como um dos maiores inimigos do meio ambiente. Minas Gerais e Maranhão, nossos estados natais, ajudaram a derrotá-lo nas urnas. E nós vamos colaborar para reverter no Congresso as barbaridades que perpetrou contra a Amazônia e outros importantes biomas brasileiros, que são fundamentais para o futuro da raça humana. Somos guerreiras e sábias. Temos disposição para a luta e conhecimento ancestral de sobra para isso.

 

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