Um estádio de futebol talvez seja o ambiente mais democrático que existe — embora os preços de entrada numa Copa do Mundo limitem muito esse espaço. Falo mais do clima, de como nos sentimos livres, do que propriamente do acesso. Ali, soltamos o grito preso na garganta. Pela diversidade de tipos que amam o futebol, sabemos que a voz que ecoa pode ser tanto divinal, numa catarse na hora do gol, quanto da animosidade que também habita o ser humano, como os impropérios preconceituosos.
O seu grito ou o meu tem a ver com escolhas de vida. Somos aquilo que nos habita desde a infância. Somos animados pelas nossas tradições familiares, mas vez por outra enveredamos por outros caminhos, ditados pelo coração ou pela forma como nos tornamos gente.
Assistindo aos muitos protestos nesta Copa do Mundo, no Catar, em campo e fora dele, e pensando no quanto é importante se manifestar, me reportei ao que me constitui como pessoa e o quanto minhas escolhas foram determinantes para compreender mais — ou menos — as vozes que extrapolam os gramados.
Antes de nascer, eu já tinha sido batizada como torcedora do Náutico, num acordo entre meus pais e meus irmãos. Sim, o time campeão do ano de 1963 seria meu clube. Aos 7 anos, minha estreia em Copa do Mundo, meu irmão ganhou um álbum de figurinha e me ensinou a escalar a Seleção: Félix; Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gérson e Rivellino; Jairzinho, Pelé e Tostão. Aquela Copa foi um acontecimento histórico. E ali, vendo o Brasil vencer o Tri e o Santinha sagrar-se bi-campeão pernambucano, eu virei a casaca e passei a torcer pelo Santa Cruz, meu time até hoje.
Meu irmão Renato, 9 anos mais velho do que eu, me ensinou que a gente deve ficar com quem a gente gosta, trabalhar com o que se gosta, viver rodeado de quem a gente gosta. Assim no futebol como na vida.
Escolhemos pessoas, discos, músicas, filmes, times, lados. Escolhemos esquecer ou lembrar do passado, das origens. Eu ainda criança trabalhava na feira de Peixinhos, periferia pobre de Olinda, ajudando minha amiga Jandira a dobrar saquinhos de pimenta cominho e outros ingredientes. No começo, tinha vergonha. Mas escolhi ter orgulho para sempre. E elegi a humildade como a linha equilibrista da vida — na derrota ou na vitória.
O gol de Richarlison, aquele passo de dança espetacular, é também de protesto. É grito silencioso, é choro e riso contidos, tudo junto explodindo numa alegria universal de todos os brasileiros. Escolhemos naquele momento sermos felizes, apesar de todas as dores que têm nos atravessado e das diferenças que temos. E o craque também fez escolhas de vida, como cidadão, que nos orgulham. Obrigada, Richarlison, pelo gol-abraço.
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