ANTÔNIO CARLOS WILL LUDWIG - Professor aposentado da Academia da Força Aérea, pós-doutorado em educação pela USP e autor de Democracia e ensino militar (Cortez) e A reforma do ensino médio e a formação para a cidadania (Pontes)
Em meados do século passado, Morris Janowitz, o criador da sociologia militar, num de seus artigos, expôs um conceito deveras relevante para explicar as recentes transformações concernentes às Forças Armadas o qual denominou de civilianization.
Segundo ele, a civilinização pode ser entendida como a presença ativa de civis nas Forças Armadas ou o emprego nelas de concepções civis. Tendo por base as sociedades democráticas, Janowitz disse que o pujante avanço da tecnologia se apresenta como o grande responsável pelo fenômeno da civilinização porquanto ele aproxima cada vez mais os paisanos dos fardados bem como desfaz progressivamente a distinção entre civis e militares e suas organizações.
Uma das consequências de tal fenômeno foi a entrada das mulheres nas instituições castrenses. Sem dúvida se mostrou como uma ocorrência marcante porque causou um sério estremecimento na condição existencial secular das Forças Armadas até então concebida como reduto masculino e machista. Na década de 1970, os exércitos do ocidente começaram a aceitar as mulheres em condições de igualdade com os homens nos diversos ramos da profissão militar e nos primórdios do século atual os do oriente seguiram o mesmo caminho.
Vale lembrar que tanto na primeira quanto na segunda guerra mundiais elas marcaram presença de modo menos ostensivo e limitado, como médicas e enfermeiras em ospitais de campanha relativamente afastados da linha de fogo e, posteriormente, atuaram em setores burocráticos, como intérpretes e no controle de voos. Integraram ambém pelotões combatentes na Alemanha durante a segunda guerra.
Atualmente as mulheres são consideradas aptas física e mentalmente para exercer todas as funções destinadas aos fardados masculinos, inclusive a de guerreira. Dois grandes problemas enfrentados por elas nos quartéis dizem respeito ao assédio e à agressão sexual. E, se forem capturadas como prisioneiras de guerra, estarão sujeitas a abusos recorrentes.
Desde há muito tempo as mulheres continuam adentrando as hostes castrenses. Em vários países, inclusive no Brasil, elas estão demonstrando um bom desempenho nas atividades a elas destinadas e muitas vêm ocupando posições de destaque tal como da general de quatro estrelas Jacqueline Van Ovost, comandante do Comando de Transporte dos Estados Unidos e da brigadeiro médica Ana Paola Medeiros, diretora do Departamento de Saúde e Assistência Social do Ministério da Defesa do nosso país. Tais exemplos de mérito e prestígio, além de muitos outros, demonstram que o avanço das mulheres nas Forças Armadas tem contribuído decisivamente para superar a condição de reduto masculino e machista dessas instituições.
A partir da segunda metade do século passado até os dias de hoje, muitas dezenas de mulheres já ocuparam o cargo de ministro da Defesa. Cabe recordar alguns nomes: Indira Gandhi, na Índia; Elisabeth Rehn, na Finlândia; Kim Kampbell, no Canadá; Laura Miranda, na Costa Rica; Kristin Devold, na Noruega; Michelle Bachelet, no Chile. Pelo que se sabe, mesmo enfrentando as dificuldades pertinentes, todas alcançaram êxito em suas tarefas no decorrer do mandato. Ressalte-se que a atual ocupante da pasta na Alemanha é Christine Lambrecht.
No Brasil, tivemos alguns ministros civis homens que ocuparam a pasta da defesa. Um artigo publicado por Jorge Zaverucha relativo aos titulares indicados por Cardoso e Lula revelou a inexistência de uma real sujeição por parte dos militares ao poder civil, haja vista que ocorreram atos de resistência e insubordinação resultantes de um legado autoritário. Considerando o posicionamento arredio dos atuais comandantes militares, o qual tende a refletir o sentimento majoritário reinante no interior da caserna é bem viável que outro ministro masculino venha a padecer o mesmo destino de seus antecessores.
Por sua vez, a emergência de uma figura civil feminina provavelmente terá o poder de acalmar os ânimos, desarmar os espíritos e criar um ambiente de conciliação. Em termos de perfil, parece conveniente que a indicada deva ser alguém com trânsito no interior dos quartéis e seja reconhecida como pesquisadora renomada de assuntos militares. É acreditável que uma ministra com esse perfil seja capaz de apaziguar o humor dos fardados, aproximá-los do novo governo e, possivelmente, criar as condições para implementar as reformas necessárias visando torná-los mais intonizados ao regime democrático e adeptos de uma relação profissional com os dirigentes civis.
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