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Artigo: Mostra de Cinema Sobonfu Somé e as narrativas audiovisuais de cineastas negras

RENATA PARREIRA
postado em 19/11/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

RENATA PARREIRA - Professora de educação básica (DF), educadora popular, cineasta, especialista em história e cultura afro-brasileira e africana

A mantenedora do ritual é o significado do nome Sobonfu Somé, que já se encontra no Orum (mundo espiritual em Iorubá). Nascida em Dagara (Burkina Faso, África Ocidental), embora tenha tido uma vida com restrições financeiras marcada pela insegurança alimentar severa resultando em desnutrição, reconhecia a riqueza dos ensinamentos ancestrais da sua comunidade como algo singular, especial, tornando-a rica, feliz, plena.

Como curadora da Mostra de Cinema, tive em Sobonfu Somé uma inspiração, daí o motivo desta homenagem ao incorporar seu nome ao da mostra. Integrando a programação anual da Cinemateca das Mulheres, a primeira edição da Mostra de Cinema Sobonfu Somé é realizada pelo Museu das Mulheres sob direção geral de Sissa Aneleh e coordenação geral da cineasta Ingrid Gerolimich. O objetivo é visibilizar e descortinar os olhares de cineastas negras por meio de narrativas audiovisuais que abordam temas como ancestralidade, memória e relacionamentos de afeto e de amor.

Para abrir a primeira edição, temos os filmes Das raízes às pontas, de Flora Egécia, Mulheres de barro, de Edileuza Penha de Souza, e Entre o rasto e o rosto na alma dos Khoisans do Cunene, de Marisol Kadiegi. Documentários que nos convidam a pensar sobre a estética negra, como ato político por meio do cabelo crespo, construção identitária afirmativa de mulheres, homens, jovens e crianças negras, representatividade, avaliação da implementação da Lei 10639/2003 nos currículos escolares, além de ancestralidade, memória e histórias de amor.

A tríade da mostra é composta por Edileuza Penha de Souza (ES), idealizadora da Mostra Competitiva de Cinema Negro - Adelia Sampaio, já em sua quinta edição. Seu último filme, Filhas de lavadeiras (2020) recebeu diversas premiações, entre elas, o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro 2021 (melhor curta-metragem documentário), o festival É Tudo Verdade e o prêmio Aquisição, do Canal Brasil, em 2021.

Flora Egécia (DF) é sócia do Estúdio Cajuína. Assinou a direção dos documentários in ESPAÇO (2013), Das raízes às pontas (2015), vencedor do prêmio de Melhor Curta Júri Popular no 49º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e a codireção de Me farei ouvir (2022). Na direção de arte foi premiada na codireção da ficção O menino leão e a menina coruja (2017). Marisol Kadiegi (Angola/Brasil-DF) é refugiada da guerra pela libertação de Angola (1976/86), venceu no Brasil o prêmio Mulheres Negras contam sua História, em 2012, na categoria redação, atribuído pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, do governo federal. Prêmio Mulher Negra 2021, recebeu reconhecimento pela contribuição na atuação cultural e audiovisual, ambos promovidos pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal.

Dirigiu em Angola, entre outros, todos em 2008: Zungueira — a força que nunca cansa, Carnaval da vitória, 30 anos de liberdade e Xinguilamento, a força dos ancestrais. Codirigiu: Valeu (Angola 2015), Nós somos — trajetória de uma nação (Angola, 2016). Integrante da equipe de produção da Mostra Competitiva de Cinema Negro Adélia Sampaio, desde a segunda edição.

A sensibilidade, o olhar atento, a percepção de mundo, a escuta ativa e sensível forjaram de forma ímpar cada obra dessas cineastas. Entretanto, vale notar que cada uma dessas mulheres negras se aferrou e trilhou caminhos diferentes. Entretanto, há algo em comum em suas trajetórias que, em certa medida, aproximam suas histórias de vida e as interligam numa conexão cósmica, universal e ancestral. Todas elas pautam o trabalho na implementação do artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Todas elas têm em suas mentes e espíritos o desejo pulsante e vivo de contribuir com a construção identitária afirmativa de meninas e meninos, jovens e adultos negros, além da vontade imensa de ver a comunidade negra feliz e em paz, vivendo como verdadeiros cidadãos que lutam em prol das equidades de gênero e de raça. Para tanto, essas mulheres acreditam que o audiovisual é ferramenta educativa poderosa de transformação e (re)construção de realidades e identidades negras. Por fim, os conteúdos abordados nos documentários dialogam com os ensinamentos da Sobonfu e nos levam a refletir sobre os relacionamentos no Ocidente em diferentes espaços da sociabilidade.

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