política

Artigo: Imunidade parlamentar para quê?

Correio Braziliense
postado em 14/11/2022 06:00 / atualizado em 14/11/2022 14:36
 (crédito:  Minervino Junior/CB/D.A Press)
(crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press)

RENATO FERREIRA - Doutor em ciência política

ANDRÉ REHBEIN SATHLER - Doutor em filosofia

Na segunda-feira passada (7/11), a Assembleia Nacional da França puniu o deputado Grégoire de Fournas, do Rassemblement Nationale, que deverá ficar sem receber subsídios por dois meses além de estar proibido de ir à assembleia durante 15 dias. A falta cometida pelo parlamentar foi dizer, ao se referir a imigrantes: "Deixe-os voltar para a África". Uma manifestação claramente racista. A líder de extrema-direita naquele país, Marine Le Pen, questionou a decisão, alegando que o deputado era julgado por seus adversários políticos por conta de suas ideias políticas.

Encontramos aqui um ponto pivotal a rondar as sociedades democráticas da atualidade: como lidar com conflitos entre princípios? No caso em tela, há o princípio da liberdade de expressão, fortalecido ainda pelo caso especial da condição de parlamentar, em contraponto ao princípio da igualdade de todos, na dimensão da não discriminação.

Quando há conflitos axiológicos, a decisão passa pela noção de valor: qual princípio vale mais? Em que se pese o alto grau de subjetividade da questão, sua resposta é possível. A liberdade de expressão está amparada na democracia e na condição de igualdade política formal entre todos. Portanto, vale mais o princípio que fundamenta o outro. Em outras palavras, tire a democracia e não haverá liberdade de expressão; tire a liberdade de expressão e ainda poderá haver democracia, ainda que degradada.

Vale aqui ainda lembrar da origem da imunidade parlamentar. Nas monarquias absolutas, a oposição ao rei era traição, punível com a morte. Perante reis fracos e carentes de legitimidade, constituiu-se, enfim, a Oposição de Sua Majestade. Esse foi um padrão comum no sistema político britânico — sucessões disputadas, com quebras na linha sucessória, muitas vezes causadas pela remoção violenta do ocupante do trono, faziam com que o rei tivesse que buscar legitimidade. O rei fazia juramentos (a própria Magna Carta é um juramento real), afirmava a validade de precedentes e cedia.

Assim foi com a imunidade parlamentar. Primeiro, o Parlamento adotou o costume de indicar um porta-voz, o speaker (até hoje o presidente da House of Commons na Grã-Bretanha é chamado de speaker). Depois de alguns speakers presos ou mortos, começou-se a afirmar que o speaker não deveria ser preso ou morto por suas palavras. Com o tempo, o direito passou a ser reivindicado para todos os membros do Parlamento.

Fica clara a dimensão originária da proteção da imunidade parlamentar: possibilitar a existência de opiniões diversas e que essas se manifestassem livremente no Parlamento. Somente dessa forma o Parlamento poderia vir a ocupar o seu espaço nas sociedades democráticas modernas, como chão comum a todos os interesses existentes. Em outras palavras, o parlamento propicia uma linguagem nova para a manifestação e tratamento do conflito, que é inerente a todas as sociedades.

Essa proteção, entretanto, nunca foi imaginada como prerrogativa para a agressão gratuita, nem para o ataque ao próprio sistema democrático. Como argumentado, a democracia deve ser o princípio superior, sempre.

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