MILTON REGO - Engenheiro e economista, é presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Álcalis, Cloro e Derivados (Abiclor)
Adaptando a frase de Oscar Wilde durante o seu julgamento "sou o amor que não ousa dizer o nome", durante muito tempo e mesmo até agora a política industrial é vista como algo que não se pode pronunciar. Não dá certo e traz no seu bojo escolhas "pouco republicanas" de campeões nacionais. Na visão dos analistas econômicos, 100% deles ecoando a opinião do mercado financeiro, tudo deveria se resolver por "vantagens comparativas", o Brasil deve se dedicar somente àquilo em que já é competitivo e importar o resto. Dessa forma, a produtividade geral da economia aumentará. E devemos colocar nosso foco em melhorar o ambiente econômico: desregulamentação, abertura, flexibilização, diminuição do papel do Estado.
Assim, tal qual o Chile, seremos grandes exportadores de minério de ferro e soja, e importaríamos o que não somos competitivos — uma série de bens manufaturados. Funciona? Para o mercado financeiro parece que sim. Para esses agentes o que importa é que o governo pague (e bem) a remuneração pelos seus títulos de dívida. Quanto à indústria...ora a indústria... A questão é que commodities, em geral, e a incensada agropecuária exportadora, em particular, são atividades de capital intensivo que geram poucos empregos. Por isso é extremamente bem-vindo o editorial do Correio Braziliense do dia 2 sobre "política industrial" (https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2022/11/5048821-visao-do-correio-reindustrializar-e-preciso.html).
Se quiser ter futuro e dar trabalho para mais de 120 milhões de pessoas economicamente ativas, o Brasil precisa de uma indústria forte. O setor gera empregos de qualidade e de maior remuneração, propicia a inovação e a difunde pelo restante do ecossistema econômico. É a indústria que compra serviços de qualidade e sofisticação. O livre-comércio simplesmente não vai nos dar nenhum futuro quando todos os nossos grandes parceiros (União Europeia, Estados Unidos, Índia, Japão, China) têm sólidas políticas industriais. Entre os muitos desafios que o novo governo tem pela frente está o de dinamizar os setores industriais portadores de futuro sem proteger a ineficiência. O novo governo precisa pensar na transformação da indústria. Isso é política industrial.
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Essa dinamização passa por aumentar o fluxo do comércio internacional inserindo o país nas cadeias produtivas globais, especialmente agora em que se abre uma grande oportunidade em função da pandemia e da guerra da Ucrânia. O que se discute, como sempre, é a maneira de realizar essa operação. Uma abertura pura e simples não vai tornar as empresas mais competitivas. Esse processo de abertura precisa ocorrer de forma coordenada junto com o fortalecimento de cadeias produtivas internas para dar capacidade de se sobrepor a um processo de choque competitivo.
Outra questão será o ajuste fiscal. À direita e à esquerda todos defendem que o governo gaste bem. Com o teto dos gastos (uma boa ideia com uma implementação insuficiente) e por causa da relação do orçamento público com o Congresso, o governo perdeu completamente a capacidade de fazer políticas anticíclicas. Além disso, a qualidade do gasto público diminuiu, especialmente se lembramos as emendas do relator.
Questões fundamentais estarão no colo do próximo governo como a manutenção dos programas de suporte para populações mais pobres, o financiamento da saúde, da educação e pesquisa, e o desafio da transição para uma economia mais verde. Para isso tudo é necessário investimento público. De onde virão os recursos? Todos acham o nosso arcabouço tributário ruim. Há mais de 10 anos escuto falar sobre a reforma tributária. De fato, nossa tributação é bizantina, regressiva e atravanca a economia. A grande questão é: como colocar o guizo no gato. Não conheço setor que defenda aumento da tributação. Pelo contrário, todos pregam desoneração — para crescer, para exportar, para criar empregos. Mas, mesmo que uma reforma seja neutra, as alíquotas serão modificadas. É disso que se trata.
Em meio a todos esses temas vitais, temos a oportunidade de debater uma política industrial efetiva que estabeleça ações em função dos resultados que se deseja alcançar e alicerçada nas oportunidades que o mercado global oferece. E dar o nome ao que precisamos, como fez o Correio Braziliense. A indústria precisa falar e ocupar seu espaço. Precisa discutir formas de se tornar mais competitiva globalmente. Parodiando o poema em que Wilde se inspirou (Two loves): "Qual o seu nome? Meu nome é política industrial".
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