política brasileira

Artigo: O momento certo

Correio Braziliense
postado em 08/11/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

Conheci o então recém-eleito deputado federal Geraldo Alckimin na residência do saudoso senador Severo Gomes, no início da legislatura de 1987. O novo parlamentar tinha acabado de chegar a Brasília para iniciar sua vida na esfera federal depois de ter sido bem-sucedido como vereador, presidente da Câmara e prefeito de sua cidade, Pindamonhangaba, às margens da Via Dutra que liga o Rio de Janeiro a São Paulo.

Aquele tímido representante do interior paulista ainda guarda algumas características do homem simples do interior. Mas trabalhador, discreto e bom político foi governador de São Paulo várias vezes. Na eleição de 2022, deu o salto mortal, triplo carpado, sem rede. Tornou-se candidato a vice-presidente na chapa de seu eterno concorrente, Lula.

Política permite essas mutações inesperadas, que obrigam observadores a ter muita criatividade para esclarecer o que está diante de todos. Alckmin percebeu a confusão geral que reinava em seu partido, PSDB, tragado por tremenda guerra de egos. Discretamente saiu da legenda, entrou no PSB, concorreu e foi eleito vice-presidente da República. Seus antigos colegas estão mergulhados em potes de mágoas, envoltos por ressentimentos de todos os tipos e calibres. Eles foram constrangidos a assistir ao antigo colega, agora dono de enorme expectativa de poder, a falar como coordenador da transição entre o antigo e o novo governo brasileiro. Alguém já disse que em política o personagem morre várias vezes. E renasce outras tantas.

Geraldo Alckimin, que é primo de José Maria Alkmin, mineiro famoso pela esperteza política e que também foi vice-presidente da República, não precisa ser apresentado a ninguém. Seu nome é uma legenda e significa, no momento, o ponto de equilíbrio entre a esquerda do Partido dos Trabalhadores, os antigos colaboradores do presidente Lula e os novos aliados que vieram de diversos espectros da política nacional, desde o pessoal de Mato Grosso do Sul, trazido por Simone Tebet, até os economistas que criaram o Plano Real. Esse rendilhado de interesses e opiniões resultou na vitória apertadíssima de Lula contra um presidente que buscou a reeleição com todas as suas forças e possibilidades. Nada foi fácil para um e outro lado.

A transição se inicia uma semana após a realização do segundo turno cheia de desafios. As diferenças entre as promessas do poder ascendente e as lembranças do poder descendente vão provocar resistência, organizada ou não, à nova administração. Há em todo o país alguma perplexidade, porque o derrotado recebeu 58 milhões de votos, que é capital político de primeira grandeza. Talvez essa seja a principal novidade na eleição de 2022. Emergiu, com muita força, no Brasil uma direita razoavelmente organizada, capaz de verbalizar seus objetivos, organizar movimentos de massa, mobilizar multidões, além de dominar as iniciativas nas redes sociais. Seu líder não percebeu os novos tempos, a nova linguagem e o fato que o agronegócio, que domina o produto interno bruto brasileiro, é inteiramente globalizado. A derrota também tem essa explicação.

A partir de agora tudo é futuro. A impressionante e rápida manifestação dos governos europeus, norte-americanos e asiáticos e a visita pessoal do presidente da Argentina colocaram Lula no centro da agenda internacional. Não há força, neste momento, capaz de reverter a situação. Lula vai estrear na COP27, reunião para tratar de meio ambiente que será realizada no Egito. Também já foi convidado para estar presente na próxima reunião do G20, que é o grupo que reúne líderes das maiores economias do mundo. Os desafios são enormes, mas a política caminha para seguir seu rumo moderado no melhor estilo brasileiro. Sempre que algum personagem radicalizou, pela extrema direita ou pela extrema esquerda, perdeu.

Lula parece ter entendido o recado das urnas. Os dias de descanso em Porto Seguro, no sul da Bahia, proporcionaram recuperar a energia. O longo período no cárcere em Curitiba abriu espaço para rever cenários, relembrar diálogos e fazer a autocrítica necessária. Ele mesmo disse, depois de proclamado o resultado, que foi enterrado vivo, mas retornou, viu e venceu. De novo é o presidente da República no Brasil, situação impossível de ser prevista, tanto pelo aspecto jurídico, quanto político, há pouco tempo.

A política brasileira é sutil. Severo Gomes, que gostava das palavras, dizia que é pecado praguejar contra o tempo. As coisas acontecem na hora de acontecer. Nem antes, nem depois. Com Lula foi assim. Ele reapareceu no momento certo.

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