Opinião

Artigo: O legado de Darcy Ribeiro

Não lhe faltam credenciais de relevância mundial, da sua extensa bibliografia à criação da Universidade de Brasília (UnB)

Sebastião Rinaldi - Jornalista
professor de português como língua de acolhimento (Plac) no Instituto Adus e mestrando em sociologia
postado em 07/11/2022 06:01
 (crédito: Orlando Brito/ Divulgação)
(crédito: Orlando Brito/ Divulgação)

Em 2021, muitos dos educadores dedicaram seus olhares e homenagens a Paulo Freire, que então comemoraria 100 anos, caso estivesse entre nós. Integrante da mesma escola de mentes brilhantes, por assim dizer, encontra-se Darcy Ribeiro, antropólogo, escritor e educador, cujo centenário está em curso em 2022. Não lhe faltam credenciais de relevância mundial, da sua extensa bibliografia à criação da Universidade de Brasília (UnB).

A primeira vez que estive em contato com a genialidade de Darcy Ribeiro foi na adolescência. Visitava minha irmã no Rio de Janeiro, enquanto ela cursava seu mestrado em antropologia pela Universidade Federal Fluminense. Intrigado com a quantidade de escolas com as suas janelas de bordas arredondadas, em diversas áreas da cidade, perguntei a ela o que seriam aqueles edifícios. Fui apresentado ao Ciep (Centro Integrado de Educação Pública), cujo modelo de ensino, elaborado por Ribeiro em seu mandato como vice-governador do estado do Rio, garantia um currículo em tempo integral, contemplando atividades de contraturno, como esportes e imersões culturais, e assegurando inclusive as refeições dos estudantes — em alguns casos de maior vulnerabilidade, até moradia seria considerada.

Na época, pensei que, obviamente, seria um projeto bem-sucedido, afinal, garantiria uma exposição democrática ao conhecimento em tempo integral e uma alimentação balanceada. Logo, qual criança não teria um futuro brilhante pela frente? Pois vem do próprio Darcy a célebre frase que desmonta esse raciocínio: "A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto". É de mesma autoria o trecho a seguir: "Se os governantes não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios". Penso que, com esses componentes, basta ligar os pontos para compreender o que se vive diariamente, mais precisamente no setor público (ensinos infantil, fundamental e médio).

Dos mais de 500 Cieps erguidos, menos de 300 se encontram em funcionamento — e os que seguem na ativa impactam aproximadamente 180 mil jovens. Esse projeto sofisticado é apenas um entre muitos outros de Ribeiro, que também responde pelo Memorial da América Latina, em São Paulo, e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).

Além de ter sido ministro da Educação, senador e vice-governador do Rio de Janeiro, à época do mandato de Leonel Brizola, Ribeiro foi um estudioso dos povos originários, sendo responsável pela redação do projeto do Parque Indígena do Xingu. Foi ainda um pensador da América Latina, ao morar em vários países da região, chegando ao cargo de assessor de Salvador Allende.

Mineiro de Montes Claros, mudou-se para Belo Horizonte a fim de estudar medicina, mas apaixonou-se pelas ciências sociais e se formou antropólogo, pelo primeiro curso do Brasil na área, vinculado à Universidade de São Paulo (USP). Fazer trabalhos com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com a Unesco apenas comprovou o quão relevante era a sua reflexão sobre Brasil, Brasis e América Latina. Foi uma longa trajetória até nos deixar em 1997, na mesma década em que logrou uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.

Tive a felicidade de ler duas de suas obras (O povo brasileiro e As Américas e a civilização), ambas escritas com maestria, fazendo-nos refletir sobre quem somos enquanto brasileiros e latino-americanos. O legado de Darcy Ribeiro se faz, cada vez mais, urgente e atual, sobretudo, no contexto em que nos encontramos, debatendo questões relacionadas à educação e sua precarização, direitos indígenas e pautas identitárias.

 

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