ERNANDES MACÁRIO - Formado em gestão de recursos humanos, especialista em educação integral, cidadania e inclusão social (Ufpe), com MBA em gestão de negócios (USP)
Nos últimos cinco séculos, uma das heranças mais contundentes perante as questões de raça, no Brasil, é a imposição da negação de espaço. Essa característica se une a outra herança: fomos o último país a abolir a escravatura. Ainda assim, continuamos a reproduzir sérias barreiras para superarmos esse passado.
No presente, os herdeiros do escravismo, racistas em essência, dedicam-se diuturnamente à pregação da invisibilidade e apelação da inexistência do racismo no Brasil. Essas pessoas possuem olhares bem atentos ao se aproximarem da pessoa negra ou da temática racial. A dedicação é implacável e incansável quando o foco é a neutralização de ações afirmativas, e a manutenção direta ou indireta, de uma segregação que se arrasta há 500 anos no Brasil.
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E desse modo vale o convite para refletirmos: para que serve e a quem serve a ausência persistente de gente negra ocupando cargos no ambiente corporativo? Assim como fez na abolição do regime escravocrata, novamente seremos o último país a adotar reparações nesse quesito? Um dos grandes desafios deste século, entre as pessoas qualificadas a assumirem cargos de alta e média complexidade em gestão, será o de romper as muralhas que impedem a efetivação de pessoas negras, igualmente qualificadas, a revelarem seus talentos e atraírem outros tantos, a ocuparem as mais diversas áreas do universo profissional.
Da ausência da pessoa negra nesses postos de trabalho, surge uma emergência social cada vez mais consistente e expansiva. Por mais neutralidade ou imparcialidade que se possa ter diante das tendências, essa emergência requer políticas de desenvolvimento e de reconhecimento de direitos, que devem ser atribuídos já desde o nascimento. Essa cultura distancia as empresas e as indústrias dessa realidade que vem se impondo ao mercado. É o que mostra o levantamento da Vagas.com, empresa de soluções tecnológicas de recrutamento e seleção.
Apenas 0,7% dos negros têm cargos de diretoria. E como vamos conseguir mudar essa estrutura? Para mudar essa estrutura, precisamos de instrumentos legais que possam melhorar essa conjuntura. Esse instrumento de Estado já existe e é chamado de Estatuto da Igualdade Racial, criado pela Lei 12.288, de 20 de julho de 2010. E como podemos usar a prática de ESG (Environmental, Social and Governance), para combater o racismo nas empresas? Para negros e negras, não existe mágica e nem ação única de inserção. Nada vai acabar por conta própria a história do racismo nas empresas. Por isso existe a necessidade da criação de políticas empresariais que possam pensar diariamente como erradicar essa cultura racista no mundo corporativo.
O Estatuto da Igualdade Racial no art.39 proclama: "O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas." Ou seja, também é dever das empresas privadas abrir espaço para que negros tenham oportunidade de ocupar cargos de chefia e gerenciamento.
Pretos e pardos representamos 56% de toda a população brasileira e, mesmo sendo maioria, somos minoria no que se refere a espaços de poder, de relevância e prestígio, como gestores de empresas e cargos de gerência e consultoria.
Atendendo a reivindicações de movimentos sociais, o Poder Legislativo criou leis específicas para estabelecer ações afirmativas para ingresso de pessoas pretas ou pardas em cursos superiores de universidades públicas federais e em concursos públicos para órgãos, empresas da administração pública federal. A justificativa dessas leis encontra-se na falta de equidade racial e representatividade de pessoas negras. Nada mais coerente que criar vagas específicas em empresas privadas para a absorção dessas pessoas formadas no ensino superior do país.
Temos um desafio coletivo: unirmos a população negra, para encararmos uma jornada de muita coragem e estratégias efetivas, nas reparações da herança escravocrata vigente e normatizada. O desenvolvimento humano, econômico e industrial do nosso país sempre estará fadado ao fracasso enquanto ainda tivermos a prevalência da discriminação por questões de raça, religiosidade, gênero e orientação política.
Uma nação justa só se faz possível quando o Estado de direito, suas leis, deveres e direitos valem para todas as pessoas que nela habitam.
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