O Brasil, que se orgulha de ter a maior área agricultável do planeta, é também o país em que a fome e a miséria ganham dimensão em meio à fartura de alimentos e de contradições. Estudo recente do Observatório da Saúde na Infância (Observa Infância), ligado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a desnutrição infantil (bebês com menos de um ano) alcançou a maior taxa dos últimos 14 anos. Em 2021, foram registradas 113 internações por desnutrição a cada 100 mil nascimentos. No total, 2.939 crianças foram internadas, no ano passado, por subnutrição. A situação é mais grave para os recém-nascidos nas regiões Nordeste e Centro-Oeste.
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Hoje, mais de 700 mil crianças com menos de cinco anos estão subnutridas, segundo levantamento da Fundação Abrinq. A instituição atribuiu essa tragédia ao avanço da pobreza e da fome. O Ministério da Saúde reconhece que a desnutrição implica perda muscular, deficit de crescimento, alterações psicológicas e psíquicas, má formação óssea e anemia, entre outros danos que comprometem a trajetória de vida das crianças. Muitos desses prejuízos vão se refletir durante a vida escolar das vítimas da fome, reduzindo a capacidade cognitiva durante a fase do aprendizado.
A fome e a miséria são realidade para mais de 33 milhões de brasileiros. Nos últimos seis anos, o desemprego cresceu exponencialmente, e o Brasil, que havia deixado o Mapa da Fome em 2014, voltou a ter mais de 100 milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza. A pandemia do novo coronavírus contribuiu muito para que esse quadro piorasse em todo o Brasil, com a desaceleração das atividades econômicas.
Mas, independentemente desses fatores imponderáveis, como a crise sanitária, as políticas de assistência social e de saúde estão longe de atender às necessidades da população em situação de vulnerabilidade socioeconômica. As deficiências na saúde são flagrantes nas cenas do cotidiano e foram escancaradas durante a pandemia.
Quando coteja-se a tragédia da infância com a produção de alimentos no país, quaisquer justificativas caem por terra. Parece impossível conceber que a fome afeta quase um terço da população quando a produção bate recordes a cada ano. Em 2021, o Brasil foi o maior exportador de soja do mundo (91 milhões de toneladas), terceiro maior produtor de milho e feijão — 105 milhões de toneladas e 2,9 milhões de toneladas, respectivamente. O excelente desempenho da agricultura permite que o presidente da República repita, com orgulho, que o país tem capacidade de alimentar 1 bilhão de pessoas — segundo cálculos de especialistas, há condições de o Brasil garantir comida para 1,6 bilhão de indivíduos.
A agricultura familiar corresponde a 77% dos estabelecimentos rurais, com 3,9 milhões de unidades produtivas. Além de empregar mais de 10 milhões de trabalhadores, atende o mercado interno brasileiro com leite, carnes, legumes, verduras, grãos, frutas e todos os produtos indispensáveis a uma boa alimentação.
Ante esse quadro, torna-se inconcebível que, desde a infância até a fase adulta, haja cidadãos em situação de miserabilidade ante a riqueza e o potencial de produção de alimentos. Os obstáculos precisam ser removidos pelo futuro mandatário do país, a fim de que os brasileiros, desde o nascimento até a velhice, tenham condições dignas de vida.