OPINIÃO

Ana Dubeux: 'A ignorância vai matar o futuro'

"Há muitas provas disso. O ridículo índice que atingimos na vacinação contra a poliomielite, uma doença erradicada que corre o risco de voltar, é uma delas"

Estava pensando sobre nós. Todos nós. Em como a ciência, as leis, a democracia e o respeito aos direitos humanos evoluíram nas últimas décadas. Apesar das batalhas não vencidas, muitas outras foram conquistadas, o que nos dava a certeza de que, embora lentamente, estávamos a caminho de uma humanidade melhor. Não tenho mais essa certeza, o que não equivale a dizer que não tenho mais esperança. Apenas é preciso reconhecer que estamos retrocedendo e a ignorância pode matar nosso futuro.

Há muitas provas disso. O ridículo índice que atingimos na vacinação contra a poliomielite, uma doença erradicada que corre o risco de voltar, é uma delas. Os casos de racismo, contra jogadores, artistas, intelectuais e anônimos, são o flagrante de uma sociedade doente e preconceituosa, que decidiu colocar sua desumanidade a serviço de uma nova onda reacionária, que atinge também minorias.

Tem mais: o vídeo repugnante e criminoso de Roberto Jefferson referindo-se à ministra Cármen Lúcia como prostituta e bruxa é o retrato de um tipo de político que já devíamos ter varrido da nossa existência. A meia-volta do Conselho Federal de Medicina contra o uso medicinal da canabis é um freio no avanço do tratamento de casos complexos — mais preocupante quando vem de uma comunidade médica, que já conhece os benefícios baseados na realidade dos pacientes.

Mais: a população armada em nome de uma proteção própria, que não serve para nada, além de armar bandidos e provocar acidentes domésticos, matando inocentes. Meninas indígenas estupradas por garimpeiros. Rios contaminados. Desmatamento acelerado. Amazônia em risco. São tantos os exemplos do nosso descaminho.

A ignorância pode matar o futuro. Mas sabemos que é mais do que isso. Precisamos ter consciência de que há um projeto orquestrado, fascista e reacionário, e o objetivo, no fim das contas, é manter o dinheiro e o poder nas mãos de quem sempre teve e agora teme perder.

Abrir mão do que conquistamos ao longo dos últimos anos, e mesmo séculos, é abrir trincheiras de guerra que não nos protegerão e nem a quem amamos. A vida não aceita tamanho desaforo.

O grande Bertold Brecht imortalizou em palavras o que acontece quando fechamos os olhos à humanidade. Despeço-me com ele: "Primeiro levaram os negros/Mas não me importei com isso/Eu não era negro/Em seguida levaram alguns operários/Mas não me importei com isso/Eu também não era operário/Depois prenderam os miseráveis/Mas não me importei com isso/Porque eu não sou miserável/Depois agarraram uns desempregados/Mas como tenho meu emprego/Também não me importei/Agora estão me levando/Mas já é tarde/Como eu não me importei com ninguém/Ninguém se importa comigo".

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