A primeira Copa no Mundo em solo árabe, daqui a 28 dias, terá dois jogadores muçulmanos ostentando as coroas de número 1 e número 2 do mundo. Eleito Bola de Ouro pela revista France Football na última segunda-feira, o francês de origem argelina Karim Benzema é praticante. Segundo colocado na opinião do colégio eleitoral formado por 100 jornalistas no prestigiado prêmio inaugurado em 1956, o senegalês Sadio Mané também professa a religião de Alá. Se o anfitrião Catar, Benzema, Mané e os jurados tivessem combinado, a coincidência não daria certo.
Apesar de discursos desrespeitosos — e até xenófobos — contra a fé de 1,8 bilhão de devotos do islamismo, Benzema e Mané driblaram o preconceito, se consolidaram como ídolos nos respectivos clubes e seleções, e arrastam multidão ecumênica de seguidores do estilo das duas estrelas da Copa do Mundo.
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Protagonista de 44 gols e 15 assistências na temporada 2021/2022, Benzema levou o Real Madrid aos títulos do Campeonato Espanhol e da Uefa Champions League. Balançou as redes 15 vezes no principal torneio de clubes do mundo, 27 em La Liga e outras duas na Supercopa da Espanha. Se adicionarmos o desempenho pela seleção da França, são 49 gols, 16 passes decisivos e conquista da Nations League.
Benzema nasceu em Lyon. Cresceu em Bron, um bairro francês pobre com população predominantemente árabe. Não tem fama de santo. Acumula polêmicas graves, como suposto envolvimento com prostituta menor de idade em parceria com Ribéry, Ben Arfa e Govou; e extorsão do colega de seleção Valbuena para que um vídeo de sexo não fosse divulgado. O técnico da França, Didier Deschamps, o deixou fora da Copa de 2018 por esta razão. Perdoado, ele voltou a ser convocado neste ciclo e será uma das estrelas dos atuais campeões.
Apesar das polêmicas, Benzema segue o Alcorão. Não ingere álcool, adere ao Ramadã e só se casou com a primeira companheira, Chloé De Launay, quando ela se converteu ao islamismo. Um dos filhos, inclusive, chama-se Ibrahim. Homem de muita fé, Benzema posta fotos de ocasiões religiosas e saudações nas contas dele nas redes sociais.
Sadio Mané leva o islamismo a sério. Em agosto, o Bayern de Munique reuniu o elenco para uma foto em grupo com sorrisos e copos de cerveja. Era uma campanha da tradicional festa alemã Oktoberfest. Mané até usou os trajes da Baviera, posou para fotos sem caneca e se negou a participar do brinde.
Mané perdeu para Benzema na eleição, mas conquistou uma condecoração relevante: o Prêmio Sócrates. O troféu é uma homenagem ao craque brasileiro das Copas de 1982 e 1982. A distinção reverencia trabalhos humanitários extracampo. O senegalês financia escolas, hospitais e famílias na aldeia natal, Bambali. Em tempos de intolerância religiosa, Benzema e Mané driblam o preconceito e disputarão a Copa do Mundo no Catar sob as bênçãos de Alá.