DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR - Médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, membro titular da Academia Brasileira de Pediatria, ex-presidente do Global Pediatric Education Consortium (Gpec). E-mail: dicamposjr@gmail.com
Estamos próximos ao resultado final das eleições no país. O cenário político é, sem dúvida, desolador. O novo governo que teremos não poderá apenas fazer mais do mesmo. O Brasil requer uma nova era pacífica, educada e construtiva.
A nação merece sair do atraso, do desrespeito, da iniquidade e da violência. Para tanto, não lhe falta um território amplo, pleno de riquezas naturais que infelizmente têm sido destruídas; elevado grau de miscigenação populacional que não pode ser desprezado, pois se trata de riqueza humana que há de ser incontestável; valores morais e espirituais que devem ser recuperados; e tradição cultural e artística, evidência da beleza potencial que possuem as distintas regiões do país.
Na verdade, governar não é dominar com forças armadas, impor dogmas diversos, agredir e desconstruir a política democrática para tomar o comando total do poder. Governar é falar com respeito, ouvir atentamente o outro, dialogar com equilíbrio, acatar as divergências como expressão natural do pensamento humano, avaliá-las na sua lógica, rever convicções próprias e construir claras e sólidas convergências que possam fundamentar projetos consistentes e bem fundamentados.
A nova gestão governamental do nosso país deverá dedicar-se de corpo e alma, não de corpo e arma, aos avanços inadiáveis para o bem de todos e de cada um. Portanto, o que não dá mais para menosprezar é promover saúde e educação de qualidade para toda a infância nacional de forma absolutamente igualitária.
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Aliás, essa faixa etária já é definida como prioridade absoluta pelo artigo 227 da Constituição brasileira. Valiosa definição. Todavia, não basta constar da Constituição. É inadiável viabilizar esse relevante conteúdo constitucional. Trata-se de missão verdadeiramente humanitária que não deve mais ser sempre postergada pelos governantes que se sucedem no cargo ao longo de nossa história.
É chegada a hora de um novo governo levar adiante todas as iniciativas favoráveis que possam contribuir para assegurar os recursos indispensáveis ao crescimento e desenvolvimento saudáveis do ser humano nos seus seis primeiros anos de vida, definidos como primeira infância. É quando cresce e se diferencia o seu cérebro como produto da saúde integral e da interação estimulante com o meio ambiente, que lhe sejam assegurados. A capacidade de aprendizagem dessa faixa etária é a mais elevada da vida humana. Será um dos investimentos mais construtivos do país, pois terá como retorno o aumento da educação e do capital cognitivo das novas gerações da sociedade brasileira. A nação terá o futuro que merece.
Outra medida a ser adotada pelo novo governo é o aumento da licença- maternidade para um ano, como o fizeram países como Suécia, Dinamarca, Finlândia e Noruega, recantos exemplares da educação do mundo de hoje. Essa iniciativa será de grande abrangência para a sociedade das novas gerações. É uma maneira de reconstruir o núcleo familiar que tem sido tão desconstruído.
Aliás, a família precisa voltar a ser uma unidade social de grande valor humano para a sociedade. Sua sagrada missão há de ser recuperada com todo o valor que lhe cabe ser reconhecido. É uma incomparável ajuda ao aleitamento materno, a amamentação, que não se presta apenas para fornecer leite humano ao bebê. Vai muito além. Estabelece interação da mãe com seu bebê, contato pele a pele, troca de voz carinhosa, beijos aconchegantes. É, pois, um grandioso momento inicial de educação do novo ser humano.
Por isso, vale sempre ressaltar que o historiador da era romana Cícero definiu tão bem a educação. Ele escreveu: "Educar é amamentar, proteger e instruir". Nesse sentido, vale como referência para um novo governo que o famoso Ruy Barbosa, nos anos 1880, elaborou o primeiro projeto de educação da infância no Brasil. Produziu, apresentou, defendeu e debateu a proposta. Chegou a dizer: "Se não concebermos um projeto nesses moldes, nossa sociedade não terá futuro". É a fase em que estamos, 142 anos depois, para confirmar a clareza de sua profecia.
Para implantar essas ações, e em clara sintonia com a sua respectiva prioridade absoluta, bem descrita no citado artigo 227 da Constituição Brasileira, o novo governo possui a perspectiva de criar o Ministério da Infância e Adolescência. Trata-se da melhor forma de incluir, no seu núcleo governamental, uma equipe humanamente diferenciada e comprometida com a nobre causa da saúde e educação da infância e adolescência, a ser promovida na dimensão e qualidade que requer.