ALMIR PAZZIANOTTO PINTO - Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
A estrutura sindical pertence ao rol das matérias de caráter constitucional e legal de relevante interesse para trabalhadores, empregadores e milhares de sindicatos profissionais e patronais.
Alicerçada no art. 8º da Constituição da República (CR), está comprometida pela quantidade incomum de entidades de primeiro grau. A pulverização resultou da criação de sindicatos artificiais, pelo indiscriminado registro de organizações da mesma categoria, nos últimos anos. O princípio da unicidade sindical viu-se repetidamente violado, suscitando inúteis protestos por parte dos prejudicados.
A Lei nº 13.467, de 2017, não extinguiu a contribuição sindical obrigatória, paga uma vez ao ano por associados e não associados. Tratou de convertê-la em voluntária. Os resultados foram de imediato sofridos por parte de associações sindicais privadas de vital fonte de custeio.
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Os candidatos à Presidência da República evitaram enfrentar os problemas trabalhistas. De maneira geral, prometeram gerar emprego e renda, mas sempre com frases evasivas. A troca de ofensas e acusações não lhes permitiu se aprofundarem no momentoso tema, como é comum acontecer em disputas políticas.
No segundo turno, defrontar-se-ão Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Egresso das Forças Armadas e ex-deputado por diversos partidos, Bolsonaro pouco tratou do assunto. Lula, porém, avisou que revogará a Reforma Trabalhista, sem revelar como pretende fazê-lo.
Em passado distante, Lula defendeu a autonomia de organização sindical. Combatida pelos pelegos da época em que presidiu o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e do Material Elétrico de São Bernardo do Campo e Diadema (1975-1980), adotou posição favorável à liberdade de associação, conforme prevê a Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada em junho de 1948, mas não ratificada pelo nosso governo.
Projeto destinado à revogação da Reforma Trabalhista exigirá sólida e convincente fundamentação. Apesar de alguns senões, a legislação deu um passo adiante na indispensável e já tardia modernização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Mesmo que se apresente bem fundamentada, a proposta de Lula enfrentará férreos obstáculos fora e dentro do Poder Legislativo.
Admitindo-se, por absurdo, que venha a ser aprovada, a revogação não devolverá à vida dispositivos legais revogados ou reformados da CLT, relativos ao desconto e recolhimento da Contribuição Sindical (Capítulo III, do Título V, da CLT — Da Organização Sindical). Quem assim o determina é o art. 2º, § 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657, de 1942).
Imagine-se, porém, que Lula resolva restabelecer a contribuição obrigatória por legislação nova. Preliminarmente, deverá decidir se a obrigatoriedade será restrita aos associados, ou abrangerá toda a categoria profissional. Nessa hipótese, por se tratar de legislação posterior à Constituição de 1988, o projeto enfrentará o art. 5º, XX, segundo o qual "ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado" (a qualquer modalidade de associação), e o inciso V do art. 8º, cujo texto diz "ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato".
O Precedente Normativo nº 119, do Tribunal Superior do Trabalho, e a Súmula nº 666, do Supremo Tribunal Federal, impedem a cobrança de contribuições de qualquer natureza e espécie a empregados não filiados à entidade sindical, representativa da correspondente categoria profissional ou econômica. O dever de contribuir é limitado a associados. Por seu lado, a cobrança exclusiva aos associados reverterá à situação anterior e, talvez, provoque fugas do quadro associativo.
A questão não é simples. Exige demorada reflexão. O retorno ao desconto compulsório de um dia de salário, em favor do sindicato, talvez traga resultados indesejados. O problema do financiamento das entidades sindicais é grave, urgente, está na ordem do dia. Deve ser solucionado, mas de maneira aceitável por trabalhadores e patrões, para que o sindicalismo não pereça por falta de recursos. Dentro, porém, do ordenamento constitucional. Operário e sindicalista, se eleito Lula, arcará com o desafio do financiamento de milhares de sindicatos, sobretudo profissionais, em crise por falta de dinheiro. Será muito cobrado pelas entidades sindicais que o elegeram.