política

Artigo: A rebelião das massas

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

José Ortega y Gasset nasceu na capital da Espanha, em 1883, filho de jornalista, foi educado por jesuítas, mas obteve sua graduação e doutorado na Universidade Central de Madri. Andou pela Europa, conheceu os movimentos populares nos momentos em que irrompiam dentro das respectivas sociedades. Assistiu à ascensão do fascismo e do comunismo. Viveu em Barcelona, na época da República espanhola. Depois sofreu os rigores da ditadura franquista, que o levou à morte. Em 1930, publicou o livro que viria se tornar referência no estudo da ciência política: A rebelião das massas.

O trabalho se estrutura em torno da intuição de que nos tempos modernos terminou a primazia das elites. As massas, libertadas da sujeição aos antigos padrões, provocam transtorno profundo nos valores cívicos e culturais e nas formas de comportamento social. O texto foi produzido quando multidões desfilavam pelos principais países europeus na defesa de pontos de vista político-ideológicos. E a nova visão de sociedade, para o bem ou para o mal, começava a estabelecer os traços característicos da vida moderna.

A massa, segundo Ortega y Gasset, é o conjunto de indivíduos que perdeu a individualidade. Seus integrantes deixaram de ser humanos, livres e pensantes, dissolvidos na massa que pensa e age por eles. Ele entendeu o mundo dessa forma ao assistir ao desfilar dos milhares de pessoas em apoio a Mussolini na Itália, Hitler na Alemanha e Stalin na Rússia. São exemplos de regressão substancial, típicos da conversão do indivíduo em homem-massa. Essa é uma definição clássica da massa e da sujeição do indivíduo ao caminhar do grupo ou da tribo.

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O livro do espanhol tornou-se relevante para quem deseja entender a realidade política brasileira. Vale dizer que as narrativas da esquerda foram, lentamente, tomando conta da sociedade brasileira. Em tempos recentes, nenhum político ousava se declarar de direita ou de centro-direita. Todos eram de esquerda, um pouco mais ou menos. A patrulha ideológica era cruel. Criava comportamentos e estabelecia condutas. A imposição do politicamente correto prevaleceu na sociedade. Tudo era solucionado por palavras de ordem e quem não concordasse receberia pena de cancelamento, de proibição ou de exclusão.

Os brasileiros tentam fugir dessa simplificação da realidade política nacional. O país é mais complexo, mais difícil, mais desigual, mais exigente do que supõe a simples confrontação de direita contra esquerda. As narrativas são ultrapassadas pela verdade. A necessidade de fornecer educação básica, por exemplo, é assunto fundamental: o cidadão instruído trabalha melhor, gera mais renda, proporciona maior consumo e mantém a família com menor esforço. Não vai morar na rua. O desvalido não é de esquerda, nem de direita. É apenas um esquecido pelo sistema.

A arrogância da esquerda, que no Brasil jamais reconheceu seus erros, nem mesmo após o desastre do governo Dilma, sem mencionar desvios de recursos e outros malfeitos, assusta pessoas e eleitores. De certa forma, o que causa alguma inquietação na candidatura Lula não é o candidato, mas as pessoas que o cercam. Está viva na memória a política anticíclica de que resultou monumental recessão sem que houvesse qualquer razão específica para que o fenômeno ocorresse no Brasil. O desastre econômico foi resultado de má gestão e teimosia em seguir por um caminho que levaria ao fracasso.

A direita que emergiu nos últimos anos no Brasil, consequência do movimento que teve início nos Estados Unidos com Donald Trump, incorreu nos mesmos defeitos. Tratou de potencializar sua narrativa e tentar destruir a do adversário. O indivíduo tende a se recolher diante da magnitude da ação das massas ou, simplesmente, aderir. O legislador que desenhou as letras da Constituinte, há exatos 34 anos, foi inteligente. Criou a eleição presidencial em dois turnos. Antes não havia o segundo turno. O tempo entre uma e outra rodada é o momento necessário para que os candidatos se comprometam com projetos econômicos, sociais, educacionais e de ação para melhorar a infraestrutura nacional. É a pausa para meditação.

Ortega y Gasset jamais aderiu à direita ou à esquerda. Criticou a mistura entre religião e governo. No dia de sua morte, em Madri, em 1955, mereceu do departamento de censura do governo do ditador Franco a seguinte pérola: "O jornal deve dar a notícia com uma titulação máxima de duas colunas e inclusão, opcional, de um único artigo elogioso, sem esquecer de seus erros políticos e religiosos e, em qualquer caso, eliminando sempre a denominação de 'mestre'". Ninguém se lembra do nome do censor. Gasset, ao contrário, figura entre os maiores da história política.