ELEIÇÕES 2022

Artigo: Dicotomia entre esquerda e direita no Brasil

JOSÉ MATIAS-PEREIRA - Economista e advogado, é doutor em ciência política pela Universidade Complutense de Madrid (UCM-Espanha), e pós-doutor em administração pela Universidade de São Paulo (FEA/USP). É professor-pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da Universidade de Brasília

As pesquisas eleitorais que antecederam as eleições presidenciais no Brasil, realizadas no dia 2 de outubro de 2022, na sua maioria não foram capazes de prever o novo fenômeno político que se alastrou de forma avassaladora pelo país, denominado bolsonarismo. O Partido Liberal, que a partir da próxima legislatura, que começa em 2023, será a principal força política do Congresso Nacional, confirma a dimensão da força política eleitoral do presidente Bolsonaro.

Além dos 99 deputados eleitos para a Câmara dos Deputados, a legenda de Bolsonaro (Partido Liberal), também elegeu 8 senadores e, com isso, ocupará 15 das 81 cadeiras no Senado Federal na próxima legislatura. Com esse desempenho, a sigla terá as maiores bancadas nas duas casas legislativas.

Os partidos que integram a base de apoio do presidente Bolsonaro elegeram um total de 235 deputados federais, assim distribuídos: Partido Liberal — PL (99), Republicanos (42), PP (47), PSD (42), Patriota (4) e PTB (1). Por sua vez, o Partido dos Trabalhadores (PT), juntamente com o PCdoB e PV (partidos que formaram a federação de esquerda), ficou em segundo lugar, com 79 cadeiras de deputados federais. Assim, a esquerda, somados o PT-PCdoB-PV (79), PSB (14), PDT (17), PSOL-Rede (14), vai reunir 124 deputados.

Tendo em vista que na disputa presidencial foram para o segundo turno o ex-presidente Lula, de esquerda e o presidente Bolsonaro, de direita, questiona-se aqui se o espectro que revela a opção dos eleitores entre esquerda e direita é um fator importante para a compreensão do voto no Brasil. Registre-se que, no âmbito da ciência política, a opinião pública é algo complexo de avaliar, conforme se constata na literatura que aborda esse tema.

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Assim, temos como objetivo discutir neste artigo os fatores que explicam as dificuldades de posicionamento ideológico dos eleitores brasileiros à esquerda ou à direita, em especial, seus valores socioeconômicos, éticos, morais e religiosos.

A decisão de voto é algo hermético que envolve múltiplas causas, entre as quais se destaca, conforme evidenciado por uma vasta literatura, a ideologia. Em termos teóricos, por ser a ideologia um argumento central da sociologia eleitoral, o termo esquerda-direita é usado como conceito balizador de linguagem politica. Assim, a díade politica esquerda-direita continua presente no ambiente politico de uma grande parcela das democracias ocidentais.

A visão à direita defende o mérito e luta individual. Para os conservadores de direita é essencial a manutenção do status quo, tradição, valores religiosos, ética, moral e bons costumes e defesa da propriedade privada. Os liberais de direita, por sua vez, defendem a liberdade econômica e as liberdades individuais no âmbito dos costumes e da sexualidade. O pensamento à esquerda se estruturou sob a ideia de coletividade e de intervenção do Estado, especialmente de forma a minimizar as diferenças socioeconômicas.

No campo da economia, os que se posicionam no espectro político à esquerda defendem uma economia mais justa e solidária, com maior distribuição de renda e interferência do Estado. Para os integrantes da direita, associados ao liberalismo, ou seja, pregam a livre iniciativa de mercado e os direitos à propriedade particular.

Observa-se, assim, que, mesmo quando o eleitor se autoposiciona à esquerda ou à direita da dicotomia, não existem indícios de que ele necessariamente saiba o significado dessas expressões. Conforme evidenciado na literatura, a dificuldade do eleitor brasileiro de compreender o significado do espectro ideológico esquerda-direita decorrem de diversos fatores institucionais que estão relacionados a essa questão, como por exemplo, a fragilidade do sistema político-partidário; incoerência entre as ações e comportamentos dos parlamentares e os programas dos partidos políticos; alianças entre legendas políticas com visões ideológicas diferenciadas; entre outros.

Assim, em que pese existir indícios de uma baixa aderência no que se refere ao nivel de compreensao e de reconhecimento por parte do eleitorado, na dicotomia esquerda-direita — que se revela estar mais ligada a vínculos simbólico-afetivos — o fenômeno do bolsonarismo, conforme evidenciado nas bancadas eleitas de deputados e senadores de partidos políticos de centro e direita para o Congresso Nacional, está consolidado no Brasil.

Diante desse fato, se pode argumentar que, caso seja reeleito, o presidente Jair Bolsonaro deverá governar, a partir de janeiro de 2023, com uma sólida base parlamentar no Congresso Nacional, o que vai facilitar a aprovação de reformas estruturais, como por exemplo, a reforma tributária e a reforma administrativa, essenciais para o desenvolvimento do país.

Caso os eleitores façam opção pelo candidato de esquerda, Lula, o país estará diante de um complexo paradoxo esquerda-direita, ou seja, eleger uma bancada majoritária de parlamentares de direita e um presidente de esquerda. Vislumbra-se que ele deverá enfrentar sérias dificuldades de governança, visto que estão fincadas as bases políticas do fenômeno bolsonarismo, para contrapor-se e evitar recaídas abruptas do Brasil à esquerda.