MERCEDES BUSTAMANTE — Professora da Universidade de Brasília e membro eleito da Academia Brasileira de Ciências
É difícil escolher qual o maior desserviço gerado pela ausência de visão para o país ao longo dos últimos quatro anos do governo federal. Entre os ataques ao processo democrático, a consolidação do orçamento secreto, o descaso com a saúde na pandemia, o negacionismo científico, a falta de políticas para a educação em todos os níveis, cabe também analisar os impactos extremamente negativos da fusão equivocada e destrutiva das pautas da agricultura brasileira com as ações de redução da proteção ambiental.
Tal fusão rendeu ao governo federal o apoio massivo da chamada bancada ruralista que, ao contrário do que deveria defender, privilegia a visão de curto prazo em um setor econômico que depende essencialmente da garantia de condições de longo prazo. O endosso de setores da política brasileira reforça a associação do agronegócio a pautas sem fundamento científico e sem futuro e que, sobretudo, projetam riscos sobre o próprio setor.
Os dados mais recentes do Inpe indicam o maior número de alertas de desmatamento na Amazônia desde 2015. O crescimento do desflorestamento também afeta os demais biomas do país. A expansão das atividades de agricultura e pecuária sobre áreas de vegetação nativa perpetua práticas dissociadas tanto das demandas internacionais, como das perspectivas de viabilidade do setor e da construção de sua resiliência frente às incertezas crescentes.
A amálgama entre a defesa da agricultura e a desregulamentação ambiental, na verdade, beneficia um percentual pequeno de produtores que não cumprem as regras ambientais e macula a maioria dos produtores que atua de forma legal. Adicionalmente, termina por associar, por força da narrativa, o conjunto dos produtores a toda uma gama de atividades criminosas e violência que se expandem na presença do discurso e das ações contrários ao meio ambiente e sob o véu de suposta defesa do agronegócio.
A intensificação sustentável da agricultura é preferível a uma maior expansão sobre áreas naturais e é possível quando políticas adequadas estão em vigor para limitar o aumento da conversão de terras. Esforços para aumentar e diversificar a produção de alimentos através de maior rendimento e integração de sistemas, ao mesmo tempo em que se reduzem os impactos ecológicos adversos, aumentam a segurança alimentar. Hoje, enquanto as áreas plantadas com milho e soja para exportação aumentam, há retração das áreas plantadas com arroz e feijão.
O desmatamento é reconhecido como um risco sistêmico para a economia universal. Globalmente, o Fórum Econômico Mundial calculou que US$ 44 trilhões — mais da metade do PIB global — estão sob um risco significativo pelo aumento da degradação da natureza.
No Brasil, sem dúvida, a agricultura estará entre as principais vítimas. Por isso, internacionalmente, cada vez mais plataformas e ferramentas vêm orientando o setor financeiro e a economia real na construção de cadeias de suprimentos livres de desmatamento e na utilização de mecanismos de rastreabilidade mais sofisticados e transparentes.
O descontrole do desmatamento e as mudanças no uso da terra são responsáveis pela maior fração das emissões brasileiras de gases de efeito estufa, ameaçam a biodiversidade que garante polinizadores, controle de pragas e doenças e a fertilidade do solo e os direitos e à subsistência das comunidades locais.
Os usos da terra que contribuem com vários serviços para soluções climáticas, segurança alimentar e integridade dos ecossistemas dependem da trajetória da mudança do clima — quanto maior o grau de aquecimento, maior será a incerteza sobre a capacidade produtiva de nossos sistemas naturais e manejados. Quem, falsamente, defende a agricultura por meio da degradação do meio ambiente está destruindo as condições mais básicas para seu sucesso em um mundo em mudança.