Direitos das Crianças

Artigo: Direitos, de fato, só no papel

Há 32 anos, o Brasil assinou a Convenção sobre os Direitos das Crianças, adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas. O documento, de 54 artigos, destaca uma série de prerrogativas sociais, culturais, econômicas, civis e políticas para meninos e meninas, "retratando o direito à vida, à sobrevivência digna, à infância e à adolescência, ao futuro, à dignidade, ao respeito, à liberdade". O governo brasileiro se comprometeu, assim, a promover cada um desses tópicos, mas, na prática, está longe de respeitá-los em sua totalidade.

O Artigo 24, por exemplo, determina que os países signatários devem garantir "o fornecimento de alimentos nutritivos" às crianças. No Brasil, porém, meninos e meninas sofrem, cotidianamente, sem ter o que comer. Pesquisa da Rede Penssan mostra que 37,8% de lares com crianças de até 10 anos passam fome ou não têm alimentos suficientes. Um básico direito é desrespeitado. Uma crueldade que tem sido naturalizada, inclusive, por integrantes do poder público, quando — de barriga cheia — sustentam não haver fome no Brasil.

Nem a escola serve mais como escape. Para alunos em situação de vulnerabilidade, era no colégio que conseguiam a única refeição substancial do dia. Isso mudou. Os repasses para a compra de alimentos voltados à merenda não são reajustados desde 2017. O impacto da defasagem foi mostrado em reportagem do Estadão. Houve corte em itens como arroz e carne e há denúncia de ovo dividido para quatro crianças. Conforme a reportagem, existe caso de escola que carimba mão de aluno para que não repita o prato. Mesmo assim, o governo federal vetou o reajuste da merenda escolar.

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Outro dos muitos desrespeitos é ao Artigo 19 da convenção, segundo o qual os países devem adotar "medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, ofensas ou abusos, negligência ou tratamento displicente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do tutor legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela".

Por aqui, no entanto, é gritante a insegurança de meninos e meninas. Todos os levantamentos mostram que eles são alvo de abusos físicos, psicológicos e sexuais, entre outros, principalmente dentro de casa. O Estado, porém, pouco ou nada faz para combater a barbárie. Faltam medidas efetivas de enfrentamento, como investimentos na proteção desse público, campanhas abrangentes de conscientização, programas de atendimento às vítimas e punição rigorosa dos algozes. Ou seja, o poder público é o primeiro omisso no dever de garantir o bem-estar de crianças. Portanto, entre assinar um documento exemplar e cumpri-lo há uma distância abissal.