JACY ANDRADE - Médica infectologista, membro do Comitê Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia
Nos últimos meses, cinco casos de morte por raiva humana, em Minas Gerais e no Distrito Federal, chamaram a atenção e acenderam o alerta da comunidade médica e científica que lida com a doença. No Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde, entre 2010 e 2021, foram registrados 40 casos de raiva humana.
Somos 214 milhões de brasileiros em distintas realidades, geográficas e sociais, um contingente que em sua maioria crê na raiva como uma doença do passado, que existia somente na época de nossos avós, mas isso não é verdade. A raiva é transmitida por meio de mordidas, arranhões e até lambidas de animais domésticos, como cães e gatos, e silvestres, como raposas, macacos, saguis e morcegos. No início, os sintomas da doença são inespecíficos como febre, tonturas e dores. Entretanto, o quadro progride e podem ocorrer delírios, convulsões e coma, e até levar a óbito. Os casos de recuperação são raros.
É uma doença quase 100% fatal e pode ser prevenida por meio da vacinação. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a transmissão globalmente acontece majoritariamente por cães, o que reforça a importância de garantir a imunização com a vacina antirrábica de cães e gatos. Porém, diferentemente do que muitos imaginam, a raiva humana não é transmitida apenas por cães e gatos. A doença também está presente no meio rural e pode ser disseminada por bois e vacas, cavalos, porcos, cabras, ovelhas, raposas, guaxinins, macacos e principalmente os morcegos.
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Vale ressaltar que nos últimos 15 anos, houve uma mudança progressiva no perfil epidemiológico da doença no Brasil, tornando os morcegos hematófagos e não hematófagos os grandes responsáveis pela manutenção da circulação do vírus rábico, visto que eles transmitem o vírus da raiva para os animais domésticos e também para o homem. Outros animais como saguis e raposas também são transmissores da doença.
Nesse cenário de maior relevância dos morcegos na disseminação da doença, a vacinação preventiva sistemática de populações que tenham maior risco de serem infectadas, como médicos veterinários, biólogos, profissionais que trabalham com captura de morcegos, animais silvestres ou moradores de regiões que têm registros de doença ganha importância. Além disso, viajantes de áreas de risco ou de turismo ecológico também devem se imunizar. Muitos trabalhadores ignoram ou desconhecem a possibilidade de receber vacinas antes da exposição a situações de risco e o benefício da profilaxia pré-exposição.
Essa medida de prevenção tem como vantagem ajudar a simplificar a terapia pós-exposição, pois desencadeia resposta imune secundária mais rápida, eliminando a necessidade de imunização por soro ou imunoglobulina, além de reduzir o número de doses da vacina. Depois de sofrer ataque de qualquer animal, é fundamental lavar o ferimento com água e sabão em abundância e, se possível, aplicar um produto antisséptico. Em seguida, deve-se buscar um serviço de saúde imediatamente para avaliação do caso.
A administração da vacina contra a raiva humana varia de acordo com o tipo de exposição, o animal agressor, a situação de doença de base do indivíduo agredido e a epidemiologia local. O esquema vacinal pode chegar a quatro doses. Soros e imunoglobulinas podem ser necessários para a profilaxia da raiva humana após exposição ao vírus rábico. O uso não é necessário quando o paciente recebeu esquema profilático completo anteriormente. No entanto, deve ser recomendado, se houver indicação, em situações especiais, como pacientes imunodeprimidos.
No passado, o Brasil apresentou um número razoavelmente alto de casos de raiva humana, em 1990, por exemplo, foram 73 casos da doença no país. Os casos em Minas Gerais e no Distrito Federal acendem o sinal de alerta para agir, informando a população sobre a gravidade da doença, gerando acesso às medidas de controle e vacinação na pré e pós-exposição, para evitar o surgimento de novos casos e mortes.