André Gustavo Stumpf - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
Quando Bolsonaro venceu a eleição em 2018, um dos integrantes do governo militar me disse, radiante, que aquele resultado significava um 1964 por intermédio das urnas. Pareceu um exagero, mas a avaliação daquele observador acabou se confirmando quatro anos depois, na medida em que os resultados de 2022 surpreenderam analistas políticos e desmentiram as previsões dos institutos de pesquisa. O brasileiro mostrou ter perfil conservador.
A inegável relevância política do grupo Bolsonaro se revelou por inteiro na eleição de ontem. O grupo de centro-direita, reacionário, apoiado ostensivamente por Donald Trump, conseguiu algumas proezas. Elegeu Eduardo Pazuello, no Rio de Janeiro; Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro e Ricardo Salles, em São Paulo; Teresa Cristina, em Mato Grosso; e Damares Alves, no Distrito Federal. No Rio Grande do Sul, o general Hamilton Mourão, que figurou em terceiro lugar nas pesquisas durante toda a campanha, ultrapassou seus competidores.
Mourão venceu contra o candidato do PT e a fortíssima candidata Ana Amélia Lemos, que concorreu a vice-presidente da República na chapa de Geraldo Alckmin na última eleição. No Rio Grande do Sul, aliás, a situação de Eduardo Leite, que namorou a possibilidade de ser candidato à Presidência da República, ficou fragilíssima. Ele terminou em segundo lugar, atrás de Onyx Lorenzoni, candidato do presidente Bolsonaro. As pesquisas naufragaram nessa disputa.
Se alguém ainda se lembra da Nova República, pode afirmar, sem medo de errar, que ela se esgotou ontem. Já tinha acabado em parte quando Bolsonaro surpreendeu todo o país e venceu os principais nomes da política brasileira em 2018. Aposentou todos eles. À época, o argumento apresentado por analistas e observadores foi que a roubalheira apurada na administração do Partido dos Trabalhadores teria gerado a tremenda insatisfação com o governo. O argumento expressava apenas parte da verdade. O Brasil mudou muito nos últimos anos. E mudou para a direita.
Não só o Brasil, mas o fenômeno da ascensão da direita também tem chamado atenção em sociedades mais organizadas, desde os Estados Unidos até a Itália, para ficar em exemplos recentes. A economia brasileira também se transformou. Há pouco tempo, o Centro-Oeste pouco tinha a oferecer ao país. Hoje é o celeiro da Nação, a força capaz de alimentar boa parte do mundo e colocar os índices do crescimento do produto interno bruto nas alturas. Isso tem preço. O notável sucesso do agronegócio serviu de exemplo para toda a sociedade. É atividade de primeiro mundo da porteira para dentro. Para fora, é cenário de subdesenvolvido.
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Não é por acaso que a música sertaneja sucedeu a bossa nova e suas ramificações. O Brasil rural moderno substituiu o Brasil urbano atrasado, oligárquico e desatualizado. As consequências vêm depois, ensina o conselheiro Acácio, imortal personagem de Eça de Queiroz. Chegaram agora. A surpresa dos resultados demonstra a perfeita sintonia da economia atual com a política. A onda conservadora faz sentido dentro desse contexto. Há, portanto, um novo país, a partir de agora. Ele havia se insinuado na eleição de 2018, mas se mostrou por inteiro em 2022.
Até ontem, a bussola da política brasileira tinha como norte o movimento sindical em São Paulo, que atuava ao redor da poderosa indústria instalada naquele estado. Na medida em que a indústria recuou, o papel dos sindicatos e dos seus importantes metalúrgicos também retrocedeu. É a nova realidade: a fotografia do fazendeiro do interior de Mato Grosso, que dirige carro importado de último modelo e negocia seu produto na bolsa de valores de Chicago.
Há muitos derrotados nesta eleição. Eles vão recolher os cacos e chorar a saudade dos outros tempos. O PSDB optou por se inviabilizar. Na guerra de egos, a legenda se esvaiu. Perdeu o controle de sua cidadela, São Paulo. Mas surgiu algo novo no horizonte: Simone Tebet, do MDB, que apesar de não conseguir total apoio dentro de seu partido e enfrentar a oposição velada do PSDB, ultrapassou obstáculos e chegou em terceiro lugar. Ela aponta para o futuro. Não por acaso é uma legítima representante do moderno Brasil rural.
Tudo poderá ser desmentido e revisto se Lula, que alcançou mais de 55 milhões de votos, ou 47,85% do eleitorado, conseguir derrotar Jair Bolsonaro (43,70% dos votos) no duelo olho no olho, a tentativa final de reverter essa tendência. O resultado desse derradeiro esforço será conhecido no próximo dia 30 de outubro, data da realização do segundo turno.